Reflexão sobre Euphoria: "Livin’ La Vida Loca"

Reflexão sobre Euphoria: “Livin’ La Vida Loca”

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre a série Euphoria. Essa série apresenta os dramas de um grupo de adolescentes da Geração Z de um jeito muito cru e brutal, mostrando como eles lutam para viver dentro de uma sociedade que não os acolhem como eles gostariam. Na reflexão, falarei sobre dois temas que se destacaram para mim: devemos dedicar esforços aos dramas individuais ou devemos nos focar em questões mais coletivas? Na vida, devemos ser espectadores ou protagonistas de tudo que ela pode nos proporciona? Teremos spoilers na parte da reflexão! Vamos lá!

Sobre Euphoria (SEM Spoilers)

Euphoria é uma série americana da HBO. Ela estreou em 2019, já conta com duas temporadas lançadas e uma terceira encomendada.

A personagem principal se chama Rue Bennett (Zendaya), que se tornou usuária de drogas após a morte do pai como forma de amenizar a dor da perda. Ela é a narradora da série, apresentando sua visão da vida que leva e também sua visão de todos os demais personagens com quem se relaciona, especialmente seus colegas adolescentes da Geração Z (quem nasceu entre o fim da década de 1990 e 2010).

Ao longo da série, vários personagens serão desenvolvidos, apresentando diversos problemas enfrentados pela juventude atual que fogem aos olhos dos adultos, tais como drogas, relacionamentos tóxicos, bullying, sexualidade.

A série não tem um objetivo específico. Basicamente, acompanhamos o desenvolvimento de cada personagem, vendo como ele lida com seus dramas pessoais com o passar do ano escolar.

Paralelamente, também acompanhamos alguns poucos adultos próximos aos adolescentes apresentados, como seus pais, os quais também possuem problemas pessoais que afetam ou são afetados por seus filhos.

Reflexão sobre Euphoria: Problemas Individuais x Problemas Coletivos

Quem acompanha a série, provavelmente ficará alarmado com as coisas vividas pelos personagens dela. Como um adulto professor, fico desesperado em imaginar meus alunos vivendo tudo aquilo e não tendo a quem recorrer ou não sabendo a quem recorrer. Porque, para eles, tudo é muito intenso e não existe solução. Muito menos, uma solução que passe pela ajuda de um adulto…

Eu fico imaginando um responsável por um adolescente vendo essa série e imaginando: “será que meu filho passa por isso?”, “como eu posso descobrir se meu filho está bem ou feliz?” e coisas do tipo. Eu, particularmente, ficaria em pânico.

Conversando com minha esposa, tivemos o seguinte questionamento: será que essas situações apresentadas pela série correspondem à realidade ou a série está exagerando tudo, criando um alarme desnecessário sobre uma geração que não está “perdida” para os padrões adultos?

Pensando nisso, fui pesquisar na Internet se alguém tinha feito pergunta semelhante e encontrado a resposta. Acabei encontrando respostas dicotômicas. Alguns sites (aqui e aqui) apontam ser essa a realidade do jovem do século XXI, enquanto outros sites (aqui e aqui) dizem que não. Baseando-se na fama dos sites, eu tendo a acreditar que aquilo que é mostrado na série é um exagero do que ocorre na realidade.

Além disso, algo me chamou a atenção na segunda temporada da série: a aluna Lexi Howard (Maude Apatow) fez uma peça musical apresentando diversos causos vividos por seus colegas próximos (que nada mais eram do que aquilo que acompanhamos na primeira temporada da série), e a maioria dos alunos da escola, que estavam vendo a encenação, se surpreenderam com as coisas apresentadas como se tudo aquilo fosse novo.

Se pararmos para pensar, uma High School americana possui uma quantidade muito maior de alunos que uma escola de nível médio brasileira (tem escolas americanas com mais de 3 mil alunos!). Tendo isso em vista, nós acompanhamos a vida de apenas uns 10 alunos nesse universo de centenas ou milhares de uma escola.

Isso me despertou para a seguinte conclusão: os dramas apresentados na série são reais (no sentido de que ocorrem coisa semelhantes na nossa realidade), mas eles se limitam a pouquíssimos indivíduos.

Dessa conclusão, me veio um outro questionamento: os dramas individuais desses poucos alunos é mais, menos ou igualmente importante comparado com a grande maioria dos adolescentes?

Reflexão sobre Euphoria: O Valor do Indivíduo

Inicio essa reflexão sobre Euphoria perguntando: O quanto vale o indivíduo? Essa é uma pergunta filosófica clássica.

Existe um experimento mental chamado dilema do bonde, em que você pilota um bonde desgovernado e PRECISA escolher seguir em frente e atropelar 10 pessoas ou desviar para a direita e atropelar apenas 1 pessoa.

Como, normalmente, as pessoas escolhem o desvio porque 1 é menos pior que 10, o experimento continua: e se essa 1 pessoa for seu filho, pai, mãe ou qualquer outra pessoa querida para você? Você ainda desviaria ou deixaria o bonde seguir sua trajetória desgovernada e atropelar 10 pessoas?

Na verdade, não existe resposta certa para esse dilema porque tudo depende dos valores morais os quais você possui.

Se pensarmos em políticas públicas, as quais normalmente são impessoais, as ações governamentais olham para os números e pensam onde precisam agir para beneficiar o maior número de pessoas. Esse princípio segue a ética utilitarista, que privilegia o bem-estar de mais pessoas em detrimento do bem-estar de menos pessoas.

Porém, existem algumas ações que olham para um número reduzido de pessoas, as quais estão também em uma situação complicada e precisam de ajuda. Essas ações se baseariam na ética do dever, que defende a obrigação de agir, independentemente das circunstâncias.

Em circunstância extremamente favoráveis, o ambiente ideal é que todos os indivíduos sejam atendidos em suas necessidades. Porém, esse movimento é praticamente utópico.

Dito tudo isso, regressamos para os personagens de Euphoria e pensamos: eu preciso mesmo me importar com tudo o que está acontecendo na vida dessas 10 pessoas destacadas ou é melhor eu dedicar tempo e esforço para apoiar àqueles que estão vivendo uma vida normal?

Novamente aqui, não existe resposta certa! Vai depender de quanto você se importa ou não com essas pessoas apresentadas na série.

Curiosamente, é exatamente isso que acontece em nossas vidas: nós estamos cercados de pessoas que estão precisando muito de uma ajuda e, na maioria das vezes, não nos dispomos a ajudá-las porque não nos importamos com elas. É só pensar na quantidade de moradores em situação de rua pelos quais passamos diariamente. Porém, prontamente nos solidarizamos com algum parente ou amigo próximo que perdeu o emprego, bateu o carro, está juntando dinheiro para casar – coisas mais “simples” do que morar na rua…

É para você se sentir mal agora? Não necessariamente. Só quero que você entenda que os problemas individuais têm sim o seu valor, a sua importância para as pessoas que os estão vivendo e para aqueles que estão sendo afetados por esses problemas. E nós precisamos respeitá-los.

Não existe essa de “o problema é dele”, “ele que se vire”, “é mimimi”, “tem gente pior que ele”, “está assim porque quis”. Segundo Santo Agostinho, TODOS nós buscamos a felicidade (apesar de não termos um consenso sobre o que seja a felicidade).

Ou seja, não somos obrigados a ajudar ninguém com quem não nos importamos, mas não temos o direito de menosprezar os dramas e problemas vividos pelas outras pessoas. Mesmo que algo seja “bobo” ou insignificante para nós, isso pode não ser para o outro. Em outras palavras: devemos ter empatia!

É fácil? Claro que não! Especialmente porque, muitas vezes, existe um choque de gerações. Os sofrimentos dos adultos não são os mesmos sofrimentos dos jovens ou das crianças. Aquilo que era um sofrimento no passado pode não ser mais um sofrimento no presente, e algo que não era sofrimento no passado pode ser agora. Não cabe a nós julgar. Cada um sabe de si.

Resumindo a história: a série apresenta problemas que podem ocorrer com quaisquer pessoas. Esses problemas não foram inventados, eles existem. Pode ser que a maioria das pessoas não passe por esses problemas, mas isso não faz com que eles não existam.

Por isso, respeite a dor e as dificuldades dos outros, mesmo que você não queira fazer nada para ajudar!

Reflexão sobre Euphoria: Protagonista ou Espectador – O que você quer ser da sua vida?

Outro ponto que me chamou a atenção na segunda temporada foi a briga entre as irmãs Cassie (Sydney Sweeney) e Lexi.

Como já dito antes, Lexi fez uma peça sobre as coisas que ela presenciou daqueles que estavam em volta dela. E uma das personagens que mais teve destaque foi exatamente a sua irmã Cassie.

Cassie era a típica garota popular, enquanto Lexi era uma looser. Durante anos, é possível notar uma certa inveja de Lexi. E ela acaba manifestando isso na sua peça, em que apresenta diversas situações humilhantes ou de forma humilhante vividas pela sua irmã.

De fato, ao ver a série, especialmente a segunda temporada, vemos o quanto Cassie se meteu em problemas, vivendo uma Vida Loca. Enquanto isso, Lexi só seguia sua vida pacata.

Na briga, Cassie afirma a inveja de Lexi, dizendo que Lexi levou uma vida de espectadora, apenas assistindo os outros viverem de fato. Ela, Cassie, foi protagonista da sua vida, curtindo tudo o que ela pode proporcionar, tanto coisas boas quanto ruins. Mas ela, Cassie, viveu, aproveitou. Enquanto isso, Lexi apenas viu os outros viverem, aproveitarem.

Achei isso bem interessante, como espectador da série, porque essa fala, em certo sentido, é um tapa na nossa cara julgadora. Cassie, na verdade, está falando para nós. Nós é que estamos apenas assistindo aqueles personagens fazendo um monte de coisas e dizendo “que absurdo”, “que horror”, “eu nunca faria isso”, “que imaturidade”, etc. etc…

Porém, eu admito que, quando as coisas estão legais, eu penso “queria ter feito mais isso na minha adolescência”, “queria voltar a ter como única preocupação a escola”, “queria ter experimentado pelo menos uma vez isso”…, mas é fácil só querer as coisas boas. A vida é uma moeda que te dá ao mesmo tempo suas duas faces.

Querer extrair da vida o máximo que ela pode te dar tem seus prós e seus contras, seus ganhos e suas perdas, seus riscos e surpresas. Você vai sentir de tudo um pouco. Vai experimentar de tudo um pouco. E nem todos estão dispostos a isso.

Novamente aqui, não existe resposta certa. Você pode escolher pela Vida Loca ou pela vida comportada. O que não pode, é querer julgar a escolha do outro. Sempre teremos inveja do outro. Se escolhermos a vida tranquilo, deixaremos de ter algumas experiências. Se escolheremos a vida transviada, passaremos por coisas que não gostaríamos de ter passado.

Qual é a melhor? Não sei se é possível saber. Em cada época de nossas vidas, só podemos escolher um modo de ser por vez.

Acredito que o melhor é olharmos para a vida que estamos levando e nos perguntarmos se estamos felizes do jeito que estamos. Se a resposta for sim, continue e abra mão daquilo que não tem. Se a resposta for não, cogite mudar radicalmente seu modo de viver e aceite as consequências.

Conclusão

Ao final dessa reflexão sobre Euphoria, acredito que o aprendizado recebido pode ser resumido em “cada história de vida é única”. Podemos julgar ou invejar, podemos condenar ou criticar; mas isso nada mais são do que formas de lidar com as escolhas que os outros fizeram e nós não fizemos (por medo ou por termos feito outras escolhas). Quem está certo ou errado? Escolhemos bem ou escolhemos mal? Olhe para si mesmo e responda se está feliz com a vida que leva. Essa é a resposta.

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Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.