Reflexão sobre Altered Carbon: Uma Questão de Corpo e Mente

Reflexão sobre Altered Carbon: Uma Questão de Corpo e Mente

Reflexão sobre Altered Carbon: Uma Questão de Corpo e Mente

Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre a série Altered Carbon, da Netflix. Esse é uma série futurística bem interessante, no estilo romance policial. Além da ação, traz uma excelente reflexão sobre os limites e as relações do corpo e da mente. Será nesses pontos que irei focar o artigo de hoje. Esse artigo não terá spoilers da trama, apenas a explicação de alguns conceitos apresentados na série, mas que não estragam a surpresa. Vamos lá!

Sobre Altered Carbon

Altered Carbon (Carbono Alterado) é uma série baseada em um livro de mesmo nome. A série segue o estilo ficção científica cyberpunk, ou seja, um mundo futurístico caótico em que a tecnologia é tão avançada que existem implantes tecnológicos que modificam o corpo humano.

Na série, a grande novidade tecnológica é um implante tecnológico em forma de disco que seria capaz de armazenar a sua consciência. Graças a ele, mesmo o corpo físico morrendo, esse disco pode ser reimplantado em um novo corpo e você volta a viver. Agora, os corpos são chamados de capas e podem ser biológicos ou artificiais. O processo de colocação do disco em um novo corpo é chamado de reencapamento.

Quem é pobre, só tem a alternativa de adquirir corpos reservas, mas se o disco for danificado, é morte total. Já os ricos, além de novos corpos, também podem fazer backups da sua consciência, permitindo, assim, voltar à vida mesmo tendo o disco danificado.

A histórica acompanha a nova vida de Takeshi Kovacs (Joel Kinnaman / Will Yun Lee / Byron Mann), um soldado reencapado por um Matusa (pessoa rica que vive a centenas de anos, referência ao personagem bíblico Matusalém) chamado Laurens Bancroft (James Purefoy).

Bancroft foi morto horas antes de fazer o backup diário e, por isso, não sabe como morreu. A polícia acha que foi suicídio, mas ele acha que foi assassinato. Por isso, contrata Kovacs para descobrir a verdade.

A história vai seguir a investigação de Kovacs, que vai revelar muito sobre o submundo daquela sociedade, os problemas políticos e sociais enfrentados nesse mundo futurístico e também vai esclarecer o passado de Kovacs.

Reflexão sobre Altered Carbon: A Filosofia da Mente

A discussão sobre a constituição do ser humano não é algo novo. Desde os primórdios da humanidade, nós queremos entender do que somos feitos. Uma das primeiras certezas que tivemos foi perceber a nossa razão, a nossa consciência como algo único, diferente de todos os demais seres existentes. O desafio era, então, entender o que é essa razão / consciência.

A filosofia sempre se preocupou dessa questão, mas não possui uma resposta definitiva. Existem três correntes de pensamento dessa área: Os dualistas (que defendem a existência independente do corpo e da mente), os monistas (que defendem a existência apenas do corpo) e o que chamamos de dualismo complementar (em que corpo e mente não são a mesma coisa, mas também não existem de forma independente).

Dualismo

O dualismo foi primeiramente proposto por Platão. Sua teoria antropológica defendia a existência da alma como essência do ser humano. Essa alma seria eterna e reencarnaria. Já o corpo seria apenas uma casca, algo temporário e transitório. O corpo seria o responsável pelos sentidos, enquanto a alma seria a responsável pelo intelecto, a razão.

Para justificar o fato de que não lembramos das outras vidas, Platão se utiliza do mito do rio Lete, o rio do esquecimento da mitologia grega. Segundo ele, quando entramos no processo de reencarnação, temos que atravessar um rio. Se bebermos muito dessa água, esquecemos tudo o que vivemos e sabemos, se bebermos pouco, não lembramos das outras vidas, mas lembramos das verdades que conhecemos nessa outra realidade. Como curiosidade, os filósofos seriam os que beberam pouco, por isso sabem muito. Kkkk

Na filosofia moderna, será Descartes o representante da dualidade. Ele defenderá que corpo e mente são duas substâncias independentes, sendo a mente a coisa pensante (res cogitans) e o corpo a coisa extensa (res extensa). Assim, o Eu pensante é único e o responsável pelo conhecimento, enquanto que o corpo é mero instrumento para explorarmos o mundo.

Monismo ou Fisicalismo

Essa teoria defende que aquilo que chamamos de mente nada mais é do que uma manifestação do cérebro. Logo, tudo aquilo que atribuímos à mente, como as sensações de dor e prazer, são causadas pelo funcionamento das terminações nervosas que acionam os neurônios; e a razão e o conhecimento são apenas um serviço biológico realizado no cérebro. Logo, tudo o que existe é o corpo. E tudo o que quisermos aprender sobre a consciência será respondido pela neurociência.

Thomas Nagel e a Teoria do Aspecto Dual

O filósofo Thomas Nagel defende a existência interdependente do corpo e da mente. Ele entende a importância do cérebro para o acontecimento das experiências mentais, mas defende que aquilo que sentimos e experimentamos é algo único e que não foi causado pelo cérebro.

Como exemplo, se fizermos uma experiência científica para medir quais áreas do cérebro são ativadas quando comemos um chocolate, o cientista só terá acesso aos pulsos, às ativações cerebrais, mas ele nunca entenderá o que de fato eu senti ao comer aquele chocolate, o prazer, a culpa, a felicidade, a satisfação etc.

Essa dimensão única, que somente nós temos e que ninguém pode acessar é, para o filósofo, a prova de que existe uma mente independente do corpo. Nós podemos entender o funcionamento do corpo humano e até prever e tratar suas doenças, inclusive a contragosto da pessoa. Mas isso não é possível quando é uma questão psicológica. Quando o tratamento necessário é na mente da pessoa, podemos até aconselhar, buscar soluções para tratar traumas e problemas psicológicos, mas nada funcionará se a pessoa não quiser cooperar.

Voltando para a série…

Tendo todo esse pensamento trabalhado da filosofia, podemos observar na série alguma coisas interessante.

Existe um grupo, que são os católicos, que são contra o reencapamento. Para eles, mesmo a consciência podendo ser salva no disco, ela não possui a alma da pessoa. A alma iria para o seu lugar de descanso e aquela consciência reencapada não seria de fato a pessoa que morreu.

Já a maioria das pessoas considera a permanência da existência, do “Eu”, no disco. Melhor dizendo, o “Eu” é um conjunto de dados, já que é possível fazer backup e transferir essa consciência para novos discos. Logo, para eles, a mente é algo físico, algo que pode ser extraído e guardado, até mesmo copiado.

Reflexão sobre Altered Carbon: Um Discussão Desnecessária

Curiosamente, existirá, na série, uma Inteligência Artificial chamada Poe (Chris Conner) que tem como grande desejo entender o que é ser um ser humano. Durante a série, ele fará uma série de questionamentos filosóficos sobre o que é existir de fato.

Esse personagem colocará em xeque a falta de necessidade de nos apegarmos à compreensão sobre corpo e mente. Para ele, mais importante do que nos preocuparmos com isso é aproveitarmos nossa vida, termos as melhores experiências possíveis e retermos as boas memórias disso tudo.

Se quem nós somos de fato está na mente / alma ou é tudo biológico não faz diferença para ele, porque ele não possui nem uma coisa nem outra. Se aquilo que experimentamos e lembramos depende de algo corpóreo ou algo extracorpóreo não interfere na necessidade de aproveitarmos cada momento que temos.

Se esses momentos ficarão guardados para sempre em algo eterno, ou se perderemos eles quando morrermos é um mistério ainda sem solução. A curiosidade em entender isso tudo é válida, mas não pode substituir o aproveitamento do tempo que temos de viver (mesmo sendo único ou infinito).

Assim, percebemos que uma das explicações sobre quem nós somos é o tempo vivido. O tempo que vivemos é o que diz quem nós somos. Se ele é curto ou longo, se é físico ou metafísico, nada disso importa. O que diz quem somos é o tempo que vivemos, as marcas que deixamos, as lembranças que formamos.

 Reflexão sobre Altered Carbon: Conclusão

Quando eu comecei a escrever esse artigo, tinha como ideia inicial falar da questão da identidade e (i)mortalidade. Acabei indo para a questão do corpo e da mente e como esse discurso é interessante, mas ao mesmo tempo não dá uma solução para o dilema do viver.

Entender quem somos e a nossa perenidade passa por entender como somos feitos, do que somos constituídos. Não precisamos parar de buscar essas respostas, especialmente se essas respostas podem nos ajudar a viver melhor. Só não podemos perder de vista a importância que devemos dar ao fato de estarmos vivos e podermos aproveitar a cada momento essa possibilidade.

E aí? Quais outras reflexões vocês podem fazer com essa série? Deixa aí nos comentários. Gostou de aprender um pouco mais sobre esse debate filosófico de corpo e mente? Compartilha esse artigo! Quer sugerir algum tema ou esclarecer algum dos pontos citados? Entra em contato comigo.

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

———————————————————————————————-

Referências

Coleção Ensino Fundamental 8° ano: Manual do Professor. – Belo Horizonte: Bernoulli Sistema de Ensino, 2019. 80 p.: il.

Posted in Reflexões Nerds, Séries / Minisséries and tagged , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , .

Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.