Olá, marujos! Hoje, explicaremos o conceito de desobediência civil tal como foi concebido por Henry Thoreau de uma forma descomplicada. Faremos uma breve biografia do autor, apresentaremos os contextos histórico da sociedade americana e pessoal do autor quando ele propôs essa teoria política, explicaremos a teoria da desobediência civil de forma descomplicada (incluindo exemplos), mostraremos a repercussão desse pensamento ao longo da história e sugeriremos outras mídias que abordam esse tema. Vamos lá!
Sobre Thoreau
Henry David Thoreau nasceu em 12 de julho de 1817 na cidade de Concord, Massachusetts (Estados Unidos). Era de uma família modesta que tinha uma empresa de fabricação de lápis.
Thoreau estudou em Harvard entre 1833 e 1837, fazendo vários cursos. Após se formar, abriu uma escola secundária (atual ensino médio no Brasil) em sua cidade natal com seu irmão John Thoreau. A escola funcionou de 1838 a 1842 (fechou devido à morte de John).
Thoreau ficou amigo de Ralph Waldo Emerson, que lhe apresentou ao círculo local de escritores e pensadores. Thoreau trabalhou como tutor e professor dos filhos desse amigo até 1844.
Em 1845, Thoreau foi morar em uma pequena cabana e decidiu levar uma vida simples, dedicando-se a escrever. No ano seguinte (1846), foi preso por não pagar seis anos de impostos. Thoreau alegou que não queria ver seu dinheiro sendo usado para financiar a escravidão e a guerra contra o México.
Após ser solto (sua tia pagou os impostos atrasados contra a vontade de Henry), ele proferiu um discurso chamado Os direitos e deveres do indivíduo em relação ao governo. Esse discurso depois virou o ensaio Resistência ao Governo Civil, que contém sua teoria da Desobediência Civil.
Thoreau deixou a cabana em 1847 e voltou a morar com Emerson. Dessa experiência de vida próxima à natureza, Thoreau escreveu o livro Walden, que combina relatos pessoais e uma busca espiritual para eu reencontro do ser humano com a natureza.
Thoreau dedicou o resto de sua vida a analisar a natureza de sua cidade, viajar por alguns lugares dos EUA e Canadá e ler muitos relatos de exploradores pelo mundo. Seus escritos foram, posteriormente, revisitados e usados como defesa da ecologia e do meio ambiente.
Em 1835, Thoreau adquiriu tuberculose. Ele tinha crises esporádicas, mas acabou piorando em 1860. Desde então, diminuiu bastante seu trabalho, focando na revisão dos seus textos.
Ele faleceu aos 44 anos, em 6 de maio de 1862. Foi enterrado no terreno de sua família, mas teve seus restos mortais transferidos para o cemitério Sleepy Hollow, permanecendo na mesma cidade em que nasceu.
Desobediência Civil Descomplicada: Contextos Histórico dos EUA e Pessoal de Thoreau
Contexto Histórico dos EUA
São dois os principais problemas do governo dos EUA que incomodavam Thoreau: a escravidão dos negros (que só foi abolida em 1865, 19 anos depois do seu discurso e 3 anos depois de sua morte) e a Guerra Mexicano–Americana (que durou de 1846 a 1848 e culminou na anexação de uma enorme porção de terra mexicana pelos EUA).
Contexto Pessoal de Thoreau
Foi alegando os motivos acima que Thoreau justificou porque se recusava a pagar seis anos de impostos atrasados. Segundo o pensador, aceitar pagar os impostos equivaleria a compactuar com a escravidão e com a guerra, já que o dinheiro era usado para manter ambos.
Sua justificativa não foi aceita e ele foi preso. Passou apenas um dia na cadeia porque sua tia, a contragosto de sobrinho, pagou os impostos atrasados.
Primeiramente, veio um discurso chamado Os direitos e deveres do indivíduo em relação ao governo. Depois, esse discurso foi adaptado para um ensaio chamado Resistência ao Governo Civil. Alguns nomeia esse ensaio de Desobediência Civil.
Desobediência Civil Descomplicada: A Teoria
Governo como Agente da Corrupção e da Injustiça
Segundo Thoreau, o governo é o principal agente da corrupção e da injustiça. Os motivos seriam:
1. Os governos são mais prejudiciais do que úteis – eles causam mais mal à sociedade do que bem.
2. Mesmo o sistema democrático não resolve o problema porque a maioria das pessoas não são dotadas das virtudes de sabedoria e justiça; logo, não são capazes de escolher bem seus líderes (aqui, ele se assemelha muito ao pensamento político de Platão).
3. As leis não fazem pessoas justas – simplesmente existirem leis que possam propor a justiça não garante que os cidadãos serão justos.
Coparticipação do Cidadão com a Corrupção e Injustiça do Governo
Segundo o filósofo, qualquer ação ativa ou passiva que gera ou permite corrupção e injustiça torna o cidadão coparticipante desse ato.
Dessa forma, não adianta apenas ser contra se não se faz nada para mudar.
Como exemplos, Thoreau cita os políticos de sua época que não concordavam com a escravidão, mas também não faziam nada para mudar isso; e os cidadãos que pagavam normalmente seus impostos, mesmo sabendo que esse dinheiro mantinha um governo escravista e que financiava a guerra expansionista americana contra o México.
Consciência do Indivíduo
Para Thoreau, a consciência individual deve ser mais respeitada que a consciência coletiva e as leis.
Dessa forma, o fato do indivíduo pensar diferente do que pensa a maioria ou daquilo que a lei propõe deve ser respeitado.
Todo indivíduo deve ter o direito de fazer aquilo que ele acha ser o certo.
Ignorando uma Lei Injusta
Segundo o filósofo, não dá para esperar concertar as corrupções e injustiças do governo através dos meios burocráticos do próprio governo.
Ele argumenta que uma lei demora muito para ser mudada e mesmo assim pode não resolver o problema. Para o pensador, se uma lei injusta chegou a ser proclamada já é prova suficiente que todo o sistema legislativo está comprometido.
É nesse contexto que a desobediência civil deve acontecer. Uma lei injusta não deve ser praticada só porque ela é a lei vigente. Um lei injusta é naturalmente nula e deve ser ignorada.
Atitude do Cidadão
Para Thoreau, ser justo não pode ser apenas desejar a justiça. Ser justo deve ser uma prática. E essa prática deve ser realizada tanto no fazer justiça quanto no impedir injustiças.
Sendo assim, o cidadão não pode se sentir confortável apenas em não fazer algo errado. Ele também deve lutar contra aqueles que fazem coisas erradas. E essa luta envolve tanto atos pacíficos quanto não pacíficos.
Resistência Tributária
Dentre os atos pacíficos, se encontra o não pagamento de impostos quando o indivíduo entende que seu dinheiro poderá ser usado para financiar uma ação injusta do governo.
É importante notar que o não pagamento só deve ocorrer nessa circunstância. Se o cidadão sabe que seu dinheiro será usado em algo justo e honesto ou apenas para algo corriqueiro (sem valor moral), o imposto deve ser pago.
Resistência tributária é diferente de sonegação de impostos. No primeiro caso, a pessoa admite que tem o dinheiro mas não quer dá-lo ao governo porque não concorda com o uso que será feito dele; no segundo caso, o cidadão esconde o dinheiro do governo, alegando que não o possui.
Para o filósofo, a pena pelo não pagamento de impostos sempre será menor que o peso na consciência ao saber que seu dinheiro está financiando algo injusto.
Governo como Criação dos Seres Humanos
Thoreau entendia o governo como uma construção artificial dos seres humanos. Ou seja, não é algo natural nem divino. Dessa forma, o governo pode ser questionado e mais: deve ouvir e acatar a liberdade de pensamento daqueles que constituem esse governo.
Por outro lado, o fato de um governo ter problemas não significa que ele é de todo mal. Significa que ele ainda não atingiu o seu ápice.
Segundo o filósofo, as monarquias absolutistas passaram a ser monarquias limitadas; as monarquias limitadas passaram a ser democracias; mas as democracias não são o último estágio de evolução dos governos. Poderá ser criado algo ainda melhor.
Thoreau entende que ainda poderá surgir um Estado que “[..] venha a reconhecer o indivíduo como um poder superior e independente, do qual todo o seu próprio poder e autoridade são derivadas, e o trata de acordo”.
Anarquismo?
Existe uma discussão se Thoreau era ou não anarquista porque é encontrado em seu texto a frase “O melhor governo é aquele que não governa de forma alguma; e quando os homens estiverem preparados para isso, esse será o tipo de governo que eles terão”. Contudo, ele também escreveu “Eu peço, não imediatamente nenhum governo, mas imediatamente um governo melhor”.
Podemos dizer que o filósofo era mais defensor do individualismo e do governo limitado. Em outras palavras, Thoreau defendia a existência de um governo que respeitasse todas as consciências individuais. Dessa forma, se assim fosse o governo, ele não teria que obrigar ninguém a fazer nada já que contemplaria na sua própria formação o direito de cada um fazer aquilo que sua consciência moral acreditasse.
Desobediência Civil Descomplicada: Exemplos
A teoria política de Thoreau é ótima para ilustrar as possibilidades de um soldado nazista durante a segunda guerra. Muitos alegaram que só estavam seguindo ordens. Contudo, se considerarmos que eles sabiam o que estava acontecendo nos campos de concentração e extermínio, eles teriam a obrigação moral de se recusarem a lutar.
Também podemos pensar nos acordos políticos, quando os parlamentares decidem fazer acordos para dar andamento em suas pautas, tendo que ceder em questões das quais discordam. Segundo Thoreau, dar seu aval ou “fazer vista grossa” para algo que se considera uma ação injusta / errada do governo é compactuar com o erro. Omissão faz da pessoa cúmplice da injustiça.
Por fim, todos nós cidadãos temos responsabilidade moral quando votamos naquele político que “rouba, mas faz” ou quando dizemos que nossa única obrigação política é votar e depois aceitar passivamente as leis que são criadas pelos eleitos.
Desobediência Civil Descomplicada: Influências
A desobediência civil inspirou várias pessoas. Dentre os casos mais famosos temos:
Mahatma Gandhi – Propôs a filosofia do satyagraha, que servia tanto como luta política e forma de solução universal da injustiça. Dentre seus pilares, estava a defesa de resistência e protesto não-violentos. Inspirado na desobediência civil de Thoreau, Gandhi instigava seus seguidores a não compactuarem com o governo colonizador, lutando contra ele através da desobediência às leis vigentes.
Martin Luther King Jr. – O ativista leu o manifesto de Thoreau quando jovem e se inspirou no seu método como forma criativa de protesto contra as leis civis discriminatórias que ainda existiam nos EUA mesmo após a abolição da escravidão. Dentre suas ações, estava o não cumprimento das medidas segregacionistas como, por exemplo, desrespeitar o assento reservado para brancos no ônibus e ocupá-lo mesmo sendo negro.
Desobediência Civil Descomplicada: Outras Mídias
Um excelente filme que trabalha, dentre outros assuntos, o tema da desobediência civil é O Grande Desafio. Nesse filme sobre debates, teremos um debate sobre o tema “A desobediência civil é uma arma moral na luta pela justiça”.
O mais interessante é que o contexto histórico do filme. Ele se passa na maior parte do tempo no sul dos EUA nos anos 30, onde ainda existia segregação racial, e a disputa final é entre uma universidade de negros do sul contra a universidade de Harvard.
Desobediência Civil Descomplicada: Conclusão
A desobediência civil proposta por Thoreau é uma filosofia política pautada em uma filosofia ética, tendo em vista que a desobediência só ocorre porque o indivíduo moral percebe que sua ação ou falta de ação está colaborando indiretamente com o mal. Sua proposta ainda hoje é muito válida e, se fosse praticada, provavelmente teríamos muito mais engajamento político dos cidadãos e um governo menos corrupto e injusto em suas ações.
E aí? O que acham dessa proposta de Thoreau? Deixa sua opinião nos comentários! Conhece alguém que deveria aprender mais sobre esse assunto? Compartilha esse artigo! Quer sugerir temas para o blog? Entra em contato comigo!
Até a próxima e tenham uma boa viagem!
———————————————————————————————
Desobediência Civil Descomplicada: Referências
WIKIPÉDIA. Verbetes Civil Disobedience, Henry David Thoreau, Limited government, Nonresistance e Satyagraha.