Reflexão sobre Shadowhunters: O Monstro do Preconceito Racial

Reflexão sobre Shadowhunters: O Monstro do Preconceito Racial

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre a série Shadowhunters. Essa é uma série de romance e fantasia, em que filhos de anjos e demônios convivem de forma conflituosa no mundo mortal. A princípio, esse mundo das sombras coloca os dois grupos como uma oposição bem e mal, mas depois percebemos que as coisas não são tão simples quanto parecem. Na reflexão, falaremos das questões preconceituosas da série, especialmente do fatos dos shadowhunters acharem que são uma raça superior aos filhos dos demônios. A reflexão terá alguns spoilers da trama, então fiquem avisados. Vamos lá!

Sobre Shadowhunters

Shadowhunters: The Mortal Instruments, nome completo da série, é uma ficção no estilo fantasia e romance. A série é uma adaptação da saga de livros Os Instrumentos Mortais de Cassandra Clare. Ela já está concluída, foi produzida para o canal de televisão americano Freeform e, atualmente, pode ser vista na Netflix.

A série se passa em nosso mundo, mais especificamente em Nova York (nos Estados Unidos) e Idris (uma cidade só dos shadowhunters, que fica na Europa Central). Assim como Idris, os shadowhunters e todo o mundo sombrio são invisíveis aos olhos humanos.

Descobriremos que existem anjos e demônios em nossa realidade. Quando os demônios têm filhos com humanos, nascem os seres do submundo (que podem ser seelies – também chamados de fadas -, lobisomens, vampiros e feiticeiros). Quando os anjos têm filhos com humanos, nascem os nephilins. Os filhos desses seres mantém a mesma raça (então, um filho de dois nephilins é um nephilim).

Os nephilins são chamados de shadowhunters (caçadores das sombras) porque eles tem a missão de proteger o mundo mundano (dos humanos) dos ataques dos demônios e de seres do submundo descontrolados. Sempre agindo de forma sigilosa, porque os mundanos não devem descobrir a existência do mundo das sombras.

A Clave, que seria o corpo político dos shadowhunters, possui um acordo de convivência pacífica com os líderes dos seres do submundo. Acontece que, por serem parte humanos, os sub-mundanos possuem alma e, por isso, devem ter sua existência preservada (a não ser que atentem contra os mundanos ou nephilins, quebrando o acordo).

A trama inicial gira em torno de  Valentine Morgenstern (Alan Van Sprang), um líder rebelde dos shadowhunters. Ele lidera um grupo chamado “O Ciclo” com o objetivo de acabar com todos os demônio e sub-mundanos, rompendo o pacto de convivência criado entre esse último grupo e os próprios shadowhunters. Para realizar seu objetivo, ele vai em busca dos três instrumentos mortais, objetos místicos que poderão realizar qualquer desejo de quem os possuir.

Nós acompanhamos a jornada de Clary Fairchild (Katherine McNamara), uma jovem “normal” que descobre ser uma shadowhunter. Não sendo essa surpresa suficiente, ela vai ter que resgatar sua mãe, que foi sequestrada por Valentine. Para piorar, ela descobre que é filha do líder rebelde. Agora, Clary vai ter que aprender “na marra” tudo sobre o mundo das sombras e ainda provar para a Clave que não é uma traidora, como seu pai.

Reflexão sobre Shadowhunters: Eliminando o “Mal”

Como foi dito no tópico anterior, o problema a ser evitado é Valentine e seus seguidores. Eles não aceitam a existência dos sub-mundanos. Para os membros d’ “O Ciclo”, os sub-mundanos são maus por natureza, já que possuem sangue demoníaco, e a qualquer momento podem quebrar os acordos. O Ciclo quer purificar o mundo…

Esse discurso, infelizmente, não é novo em nossa realidade. O caso mais emblemático é o nazismo, em que um grande grupo de pessoas, que se consideravam a raça pura, queriam eliminar os incapazes e as “raças” ruins, como judeus e ciganos.

O dilema da existência de diferentes raças entre os humanos  é um pouco mais antigo e conseguiu penetrar de forma forte na sociedade, devido aos estudos pseudo-científicos trazerem uma certa confiabilidade, com as suas “provas”. Felizmente, esses estudos hoje são completamente descartados. Mas, infelizmente, eles deixaram marcas profundas em muitas culturas e famílias, que ainda guardam um preconceito, mesmo que velado.

Na série, nós teremos contato com vários sub-mundanos legais, tais como Simon (Alberto Rosende) e Rafael (David Castro) [ambos vampiros], Luke (Isaiah Mustafa) e Maia (Alisha Wainwright) [ambos lobisomens], Magnus Bane (Harry Shum Jr.) [feiticeiro] e Meliorn (Jade Hassouné) [seelie]. Esse contato nos mostra que o ódio de Valentine a todos os sub-mundanos é infundado.

O fato de existirem pessoas más em um determinado grupo não significa que todos os membros desse grupo são maus. E mesmo se todos fossem maus, ainda assim eles teriam alguma dignidade e mereceriam um certo tipo de respeito (no caso da série, a dignidade dos sub-mundanos é o fato de possuírem alma).

O que vemos, da parte de Valentine e seu grupo, é a intolerância ao diferente. Eles não conseguem aceitar uma convivência pacífica com um grupo diferente do dele. Em vez de verem o lado positivo, preferem olhar para o negativo. Essa atitude, que muitas vezes ocorre em nossas vidas, faz com que o discurso “bonzinho” na verdade seja um discurso de ódio.

Reflexão sobre Shadowhunters: O Racismo Estrutural

Uma fala muito recorrente nos dias de hoje, especialmente após as manifestações “Vidas Negras Importam”, é o racismo estrutural. Racismo estrutural, basicamente falando, é a constatação que a estrutura de um país (políticas, instituições, pessoas e/ou práticas) consideram uma raça melhor que a outra. Isso não precisa ser, necessariamente, de forma declarada, podendo ser de forma velada.

Muitas vezes, esse racismo foi oficialmente aceito e praticado de forma livre; mas, com o tempo, ele deixou de ser algo legalizado. Contudo, como dito no tópico anterior, ele deixa marcas profundas na sociedade. E essas marcas são difíceis de serem tiradas, fazendo com que práticas racistas perdurem em uma sociedade por décadas, mascaradas como piadas, brincadeiras ou discursos do tipo “não sou racista, mas é que…”. Isso, como devem imaginar, ocorre no Brasil.

No caso da série, depois que “O Ciclo” é contido, surgem outros problemas na mesma natureza para serem resolvidos. Novamente, vem à tona a questão da hierarquia e valor das raças. Percebemos, através das práticas da Clave, que Valentine e seus seguidores não eram exatamente um “ponto fora curva” entre os shadowhunters, eles eram frutos de uma sociedade preconceituosa que resolveram radicalizar. Podemos, a “grosso modo”, compará-los com a Ku Klux Klan, no sentido de que eles colocam seu ódio aos sub-mundanos às claras, fazendo um esforço declarado de querer acabar com eles.

Em certo momento, a Clave irá exigir que os sub-mundanos coloquem rastreadores, para o seu próprio bem. Em outra situação, um programa secreto da Clave está desenvolvendo um soro que reverte a transformação sub-mundana, fazendo com que as pessoas voltem a ser seres humanos “normais”, também para o seu próprio bem. Nesse caso, o problema não é o soro em si, mas a ideia de usar em todos, mesmo em quem não quer, com o argumento de que eles seriam libertados do “fardo” de serem parte demônio.

Percebam que nessas duas propostas oficiais / oficiosas da Clave está contido um preconceito para com as raças sub-mundanas. No fundo, a Clave vê os sub-mundanos como raça inferior, que precisa ser controlada ou até mesmo “curada”. Isso não é muito diferente do que “O Ciclo” queria. A diferença é que este queria matar todos, enquanto a Clave quer “ajudar”.

No Brasil, para terem uma ideia, existiram políticas de embranquecimento da população brasileira porque acreditavam que os negros eram mais propensos à violência e aos vícios. Sendo assim, uma forma de ajudá-los (e o Brasil, como um todo) era clareando seus filhos, para acabar com os “problemas” trazidos pela raça. Esse é um dos exemplos do preconceito estrutural no Brasil.

Assim, conseguimos perceber que o preconceito (tanto na série, quanto em nossa realidade) é algo mais sério e grave do que parece. Além disso, não é um problema pontual, mas estrutural.

Reflexão sobre Shadowhunters: Acabando com o Preconceito Racial

Com a série, podemos notar que não é tão simples erradicar o preconceito. Contudo, existe esperança.

Isso é representado pela família Lightwood. Os irmãos Alec (Matthew Daddario) e Izzy (Emeraude Toubia) são jovens, não possuem uma visão preconceituosa com os sub-mundanos, e acabam se envolvendo emocionalmente com alguns deles. Já a mãe, Maryse (Nicola Correia Damude), é extremamente preconceituosa, não aceitando o envolvimento dos seus filhos. Seu argumento, é a pureza do sangue nephilim.

Contudo, mais para frente, depois que ela for banida pelos shadowhunters, ser acolhida pelo feiticeiro Magnus, se apaixonar pelo lobisomem Luke e começar a conviver mais de perto com os sub-mundanos, ela começará a mudar de postura.

Isso mostra que o trabalho deve ser aos poucos, “de formiguinha”. A cada geração, os novos cidadãos, graças ao mundo digital e globalizado, aprendem a ver o outro como igual, enxergando-o para além da aparência. Essas pessoas até conseguem convencer os mais velhos de mudarem de postura, mas isso é difícil e normalmente só acontecerá se o preconceituoso sentir na pele o preconceito. Mas mesmo que poucos mudem, essas pessoas um dia morrerão e os novos terão alguma chance de mudar as coisas.

O importante é não parar de falar sobre isso. Silenciar só irá esconder o problema e dar chances das pessoas perpetuarem atitudes racistas sem perceberem. Temos que continuar “colocando o dedo na ferida” para mostrar as situações preconceituosas que ainda ocorrem, muitas vezes sem percebermos. Somente assim conseguiremos conscientizar os jovens, para que eles consigam criar uma sociedade mais fraterna e igualitária.

Reflexão sobre Shadowhunters: Conclusão

Percebemos, com essa reflexão, que quase todo o enredo da série Shadowhunters traz como problema de fundo o preconceito racial. Isso, em certo sentido, é muito bom para que possamos continuar debatendo esse problema e evitar que as pessoas tenham atitudes preconceituosas (consciente ou inconscientemente). Todas as vidas importam, mas, em alguns momentos, precisamos lembrar mais de algumas, porque, às vezes, mesmo sem querer, elas são esquecidas.

E aí? Quais outras situações de preconceito racial você percebeu na série? Deixa nos comentários! Conhece algum fã de Shadowhunters ou alguém que precisa aprender mais sobre o assunto debatido nessa reflexão? Compartilha com ele esse artigo! Quer sugerir algum conteúdo nerd ou tema para reflexão? Entra em contato comigo!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referências

Wikia Shadowhunters BR (https://shadowhunters.fandom.com/pt-br/wiki/Wikia_Shadowhunters_BR)

Wikia Shadowhunters TV (https://shadowhunterstv.fandom.com/pt-br/wiki/Wiki_Shadowhunters_TV)

Wikipédia (os artigos estão em hiperlink ao longo do texto)

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.