Reflexão sobre Riverdale: Filho de Peixe, Peixinho é?

Reflexão sobre Riverdale: Filho de Peixe, Peixinho é?

Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre a série Riverdale. Essa série segue o estilo drama adolescente no ensino médio. A novidade dela fica por conta da mistura de modernidades do século XXI com uma estética retrô dos anos 60. A série também gosta de fazer “homenagens” à musicais, diretores de cinema e autores de livros, trabalhando o conteúdo cult americano. O que mais me chama atenção nessa série, e que será o tema da reflexão, é o modo como os personagens adolescentes principais lutam para ser diferentes ao mesmo tempo que são iguais aos seus pais. Ao longo da reflexão, teremos alguns spoilers da série, estragando algumas surpresas. Se está pra começar ou concluir a série nos próximos dias, espera acabar antes de ler o artigo. Se não fazia ideia que essa série existia ou não estava nos seus planos vê-la, leia o artigo porque o conteúdo pode ser aproveitado mesmo sem conhecer a série (e, talvez, até te anime a vê-la depois). Já avisados, vamos lá!

Sobre Riverdale

Riverdale é uma série da emissora americana The CW que se popularizou no Brasil através da Netflix. A série estreou em 2017 e, até o momento, já foi renovada para a quinta temporada em 2021. A série é inspirada nas histórias e personagens dos quadrinhos Archie Comics, e seu título é o nome da cidadezinha onde toda a trama acontece.

Como já foi tido na apresentação do artigo, essa série foca os dramas adolescentes no ensino médio. Contudo, os problemas pelos quais eles passam não se limitam à escola, se estendendo pela cidade como um todo. Além disso, a série sempre traz um mistério a ser solucionado, colocando os personagens como principais detetives de uma investigação (às vezes, também suspeitos).

A série começa com a misteriosa morte de Jason Blosson (Trevor Stines),  filho da mais influente família da cidade. O que parecia ser um acidente se transformou em um assassinato. A partir desse momento, começa uma investigação que irá revelar muitos “podres” na até então cidadezinha perfeita e pacífica de Riverdale.

Paralelo e misturado às investigações, acompanhamos o ano letivo de Archie Andrews (KJ Apa), Betty Cooper (Lili Reinhart), Veronica Lodge (Camila Mendes), Jughead Jones (Cole Sprouse) e Cheryl Blossom (Madelaine Petsch) [irmã gêmea do assassinado Jason Blosson]. Esses jovens, que antes só se preocupavam com namoros, estudos e diversão, agora começam a sentir a vida adulta chegando, com seus problemas e complexidades, e vão perdendo a inocência de que vivem em um ambiente totalmente protegido.

A cada temporada, novos crimes vão acontecendo e sendo investigados pelos adolescentes. Junto dessas investigações, vamos conhecendo mais da personalidade e da família desses jovens e refletindo sobre suas decisões, atitudes, medos e desafios.

Reflexão sobre Riverdale: Tal os Pais, tal os Filhos

Riverdale é uma cidade pequena que possui diferentes gerações da mesma família. Assim, todo mundo se conhece e sabe de quem você é filho ou neto. Aqui, não existe tanto uma cobrança externa (como no jogo Hogwarts Mystery), mas interna. São os próprios filhos que não querem ser iguais aos pais. Os filhos começam a descobrir atitudes negativas dos pais, fazendo com que eles deixem de ser seus heróis e se tornem vilões. O grande medo desses jovens é acabar agindo da mesma forma que seus pais.

Existe em todo jovem uma dicotomia herói-vilão com nossos pais (entenda aqui tanto pais quanto mães). Ao mesmo tempo que os admiramos em algumas coisas, têm alguns aspectos que detestamos e sempre prometemos a nós mesmos que agiremos de forma diferente quando for a nossa hora (seja sendo pais, seja sendo adultos). O problema é que muitas vezes as nossas atitudes não refletem nossos desejos.

Elis Regina canta uma das mais bela canções brasileiras chamada Como Nossos Pais. Na letra, o trecho que mais me impacta diz: “Minha dor é perceber / Que apesar de termos / Feito tudo o que fizemos / Ainda somos os mesmos / E vivemos / Ainda somos os mesmos / E vivemos / Como os nossos pais”. Esses versos mostram o quanto é difícil cumprirmos nossas promessas de sermos diferentes dos nossos pais e acabarmos agindo que nem eles.

Entenda que em nenhum momento eu afirmei que a atitude dos pais é errada, apenas disse que os filhos não concordam. Mesmo assim, muitas vezes, os filhos acabam agindo da mesma forma que seus pais. Duas são as explicações possíveis: ou os filhos, com o tempo, entendem o porquê da atitude dos pais (ou seja, a implicância existia porque só se enxergava um lado da questão); ou, no fundo, o filho sente que é igual aos pais naquele aspecto, mas não quer admitir (e, por isso, inconscientemente, critica os pais como forma de criticar a si mesmo).

Vou agora trabalhar os cinco principais personagens adolescente e seus problemas de identidade e relacionamento parental.

Reflexão sobre Riverdale: Archie Andrews – A Necessidade de Ser Bonzinho e Fincar Raízes

Archie é o típico cara popular. Contudo, diferente de outras séries, ele também é bonzinho. Ele quase personifica aquele príncipe encantado, o cara ideal. É bonito, atleta, romântico e músico.

Seu problema familiar é que os pais são separados. A mãe foi embora pra Chicago e ele ficou com o seu pai Fred Andrews (Luke Perry). Fred é o tipo de pessoa que se contenta com pouco. Ele é dono de uma construtora e leva uma vida que podemos considerar classe média. Fred também é o do tipo “boa gente” (que todos gostam) e que se preocupa com todos.

Archie acaba assumindo também essa postura de querer cuidar de todos, mas começa a discordar da vida mediana que leva. Isso começa a acontecer quando ele tem contato próximo com seu sogro Hiran Lodge (Mark Consuelos). Hiram é um rico empresário e chama seu genro para trabalhar com ele, preparando-o para os negócios da família (já que ele namora sua única filha). Essa nova vida agrada muito Archie e ele começa a questionar o estilo de vida de seu pai.

Hiram possui negócios secretos, perigosos, e até criminosos (ao estilo máfia). Do outro lado, Fred faz de tudo para ter uma vida honesta. Surge, assim, a disputa entre os dois pela atenção de Archie e o jovem tem que decidir se ele quer poder e dinheiro ou uma vida honesta e mediana. Esse conflito irá perdurar bastante, com Archie, no começo, tendendo a seguir o estilo de vida de Hiran. Conduto, depois de algumas desilusões, ele acabará decidindo pela vida que seu pai lhe ensinou.

As coisas ainda ficarão mais complicadas quando o seu pai morrer em um acidente de carro. Agora, Archie se acha na obrigação de manter o legado do seu pai e, praticamente substituí-lo. Ele se envolverá em muitos problemas porque vai querer “abraçar o mundo”, fazendo de tudo para transformar Riverdale novamente em uma cidade pacífica (o que se mostrará impossível).

Archie personifica o filho que quer viver uma vida ao oposto dos pais. Depois, se arrepende e decide imitá-los, como se fosse um legado. Ele acaba abrindo mão de quem ele é somente porque se sente obrigado a dar continuidade àquilo que seus pais fizeram. Archie é o famoso “ou 8 ou 80”: não sabe dosar, ora se opondo totalmente ora imitando totalmente. No final, ele está sempre se anulando porque está sempre imitando alguém.

Reflexão sobre Riverdale: Veronica Lodge – A Princesinha que quer Ser Rainha

Veronica vive um Complexo de Electra com seu pai Hiran Lodge. Desde o começo, Veronica mostra ter vergonha de seu pai porque ele é claramente um criminoso, ao estilo máfia (inclusive, ao longo da série, serão muitas as referências ao estilo de vida e negócios da máfia). Ela tenta a todo o momento se desvencilhar do histórico da sua família, tentando se posicionar como alguém totalmente diferente de caráter e hábitos. Conduto, não será isso que demostrará em atos…

Praticamente toda as atitudes de Veronica para se emancipar de seu pai, especialmente financeiramente, resultará em algum tipo de esquema tão complicado quanto os esquemas de seu pai. Por mais que ela queira provar que é capaz de ser independente sem precisar cometer os crimes que seu pai cometeu, ela sempre busca um estilo de negócio que, de algum modo ou em algum momento, vai se tornar uma contravenção, obrigando-a a ter que fazer esquemas para se manter no poder.

Outro fato curioso é o modo como ela lida com a mãe, Hermione Lodge (Marisol Nichols). Veronica vive criticando a submissão de sua mãe aos desejos do marido. Veronica quer que sua mãe se imponha, se defenda, seja independente. Só que Hermione, mesmo concordando, não consegue mudar. Percebemos, assim, que Veronica tenta sozinha ser aquilo que ela esperava da própria mãe. Só que, ao tentar fazer isso, ela acaba agindo e se parecendo ainda mais com seu pai.

É irônico ver, ao longo da série, como Veronica vai se transformando em seu pai sem perceber. Ela ainda não admitiu isso, mas as pessoas já começaram a lhe apontar essa questão.

Atualmente, Veronica descobriu que seu pai tem uma doença degenerativa. O que, dado o histórico dos dois, deveria ser uma vitória do destino, se torna um pesadelo. Percebemos assim que quanto mais ela diz que odeia seu pai, mais ela o ama. Ela, no fundo, vê no pai um rival: rival aqui entendido como aquela pessoa que rivaliza com você em alcançar alguma meta e que te força a se superar para conseguir vencê-lo. Veronica chegará a usar a competição nos negócios como forma de estimular seu pai a lutar contra a doença e ela só percebe isso porque, no fundo, é igual ao seu pai quando o assunto é poder.

Veronica personifica aquela pessoa que, quanto mais distante quer parecer dos pais, mais ela acaba imitando-os.

Reflexão sobre Riverdale: Betty Cooper – A Genética Assassina

Na segunda temporada surgirá um assassino em série na cidade conhecido como Gorro Negro. Depois de muita investigação, descobrir-se-á que o assassino é Hal Cooper (Lochlyn Munro), pai da Betty.

Desde o começo da série, Hal sempre se mostrou o tipo “fraco”, “pau mandado”. Ele nunca demonstrou personalidade e atitude, sendo sempre “engolido” por sua esposa Alice Cooper (Mädchen Amick). Por isso, é surpreendente essa reviravolta. Hal se revela um sociopata que vê no assassinato uma forma de moralizar a cidade, porque ele só ataca pessoas que escondem segredos imorais (como relação sexual com menor de idade e traição).

Betty ficará horrorizada quando descobrir que seu pai é o serial killer. Mas o pior será a desconfiança de que ela tem o mesmo instinto assassino de seu pai. Ao longo da série, Hal irá incitar Betty dizendo que eles são iguais, que eles possuem a mesma pré-disposição em querer matar e livrar a cidade dos criminosos e pecadores (segundo Hal, ambos teriam o gene do serial killer). Por muitas vezes, Betty sentirá que isso é verdade e, por pouco, não cederá ao seu lado negro.

Depois de alguns acontecimentos, parece que Betty conseguirá se autoafirmar como alguém saudável. Ela até tem o tal gene do serial killer, mas decidirá que quem ela é não depende da genética nem do histórico familiar. Ela assumirá que pode ser alguém diferente, com autonomia para agir e viver de forma livre.

Betty personifica àqueles que decidem deliberadamente não serem como seus pais e, durante suas vidas, se esforçaram para viver dessa forma, mesmo que alguns tentem dizer que isso não é possível.

Reflexão sobre Riverdale: Jughead Jones – Imitação para Chamar a Atenção

Jughead começa a série como uma espécie de órfão. Sua mãe tinha ido embora da cidade e seu pai F.P. (Skeet Ulrich)  era líder de uma gangue. Jughead, no começo, tem vergonha do seu histórico familiar. Ele faz de tudo para não ser taxado como filho do bandido da cidade (algo muito semelhante ao que vivia Veronica Lodge). Contudo, a grande diferença aqui é que, em certo momento, Jughead resolveu seguir o caminho do pai à contragosto dele.

Jughead decide entrar para a gangue e se tornar um “serpente”, tudo o que seu pai não queria. F.P. considera que a vida o obrigou a escolher esse caminho, mas ele tinha o sonho que seu filho não seguisse esse tipo de vida que ele trilhou. A grande disputa que se instaura aqui foi o enfrentamento que o filho fez com o pai: se F.P. era ausente na relação pai-filho, talvez fosse presente na relação líder-membro de gangue.

Mais adiante, veremos que F.P. sai da gangue e fica tentando fazer seu filho sair também. Só que em vez de sair, Jughead acaba se tornando o novo líder do grupo. Ocorre uma inversão de papéis. A questão que fica é: foi uma forma de vingança ou será que ele “entendeu” seu pai? Irá demorar bastante até pai e filho fazerem as pazes e começarem a se tratar bem, como família. Parece que o tempo fez com que ambos amadurecessem nas suas posições e começassem a querer um o bem do outro.

Jughead personifica o filho que decide deliberadamente imitar os pais para ter sua atenção, seguindo a lógica “se não pode ir contra eles, junte-se a eles”.

Reflexão sobre Riverdale: Cheryl Blossom – A Filha Mimada, Orgulho da Família

Cheryl é a patricinha megera de Riverdale. Ela precisa ser o centro das atenções e rivaliza com todos que tentam ofuscar seu glamour.

Os Blossom são aquela família tradicional que mantém a cidade e acha que todos devem respeito e obediência para eles. Eles que mandam. Cheryl aprendeu a ser assim e sempre gostou disso. Só que as coisas mudam quando seu irmão gêmeo, a quem ela amava tanto quanto ela ama a si própria, morre.

Cheryl descobre que o assassino de seu irmão foi seu próprio pai. Para piorar, descobre que ele usava o negócio da família (produção de xarope de bordo) para traficar drogas. Depois, ainda descobrirá que sua mãe era prostituta. Se não bastasse isso, a mãe ainda a condena por ela ser lésbica!

Cheryl foi obrigada a descer do palco porque sua família se mostrou uma vergonha. Isso fará com que ela se torne mais “humilde”. Claro que ela não mudará do vinho para a água, mas deixará de ser aquela “vadia” para ser alguém mais acessível.

Curiosamente, Cheryl continuará tendo orgulho do sobrenome Blossom. Ela não negou sua origem apesar do que seus pais fizeram. Inclusive, ela tem muito orgulho da vovó Blossom e cuida dos seus sobrinhos que ficaram sem os pais. Para ela, todas essas confusões seriam uma sina da família Blossom (que sempre está envolvida em polêmicas).

Cheryl personifica o filho que aceita e tem orgulho da família que tem, mesmo que isso seja mal visto pela sociedade. Ela aceita que é como os pais, só que do jeito dela.

Conclusão

No final dessa reflexão sobre Riverdale, percebemos o quanto a relação pais e filhos é importante para formar uma personalidade. Presentes ou ausentes, certos ou errados, bons ou maus. Não importa como, mas os pais são fundamentais para moldar quem os filhos se transformam. Como vimos, são várias as formas que o filho usa para se conectar ou se distanciar dos pais. O que não se pode negar é que eles vão te influenciar de um jeito ou de outro.

E aí? O que achou dessa reflexão sobre Riverdale? Diz aí nos comentário como seus pais te influenciaram na pessoa que você se tornou! Conhece alguém que gosta de Riverdale? Compartilha essa reflexão sobre Riverdale com ela! Quer sugerir alguma conteúdo nerd ou algum tema para reflexão? Entra em contato comigo!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

Posted in Reflexões Nerds, Séries / Minisséries and tagged , , , , , , , , , , , , , , .

Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.