Reflexão sobre Pantera Negra 2: Wakanda Forever, Luto, Geopolítica e Colonialismo

Reflexão sobre Pantera Negra 2: Wakanda Forever, Luto, Geopolítica e Colonialismo

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre o filme conhecido como Pantera Negra 2 ou Wakanda Forever, mas oficialmente nomeado no Brasil como Pantera Negra: Wakanda para Sempre. Nesse filme, Wakanda perdeu seu Rei e Pantera Negra de forma inesperada e precisa lidar com iniciativas estrangeiras querendo se aproveitar da situação para controlar seu vibranium (metal fictício até então só encontrado em Wakanda) ao mesmo tempo em que desperta a ira, sem querer, de Namor – rei de Talocan (uma antiga civilização de habitantes subaquáticos, descendentes dos maias). Na reflexão, falarei de três temas levantados no filme: Luto, Geopolítica e Colonialismo. Atenção, pois teremos spoilers do filme, tanto na descrição quanto na reflexão! Vamos lá!

Sobre Pantera Negra 2: Wakanda Forever (COM Spoilers)

O filme Pantera Negra: Wakanda para Sempre – popularmente conhecido como Pantera Negra 2 ou Wakanda Forever – foi lançado em 2022. Ele é do gênero superaventura, com muita ação e drama. Ele é o segundo filme do Pantera Negra e encerra os filmes da fase 4 do MCU da Marvel. Em breve, estará no Disney+.

Esse filme precisou ser totalmente repensado do original planejado porque não era esperado o falecimento do ator Chadwick Boseman, que interpretou o rei T’Challa – até então o atual Pantera Negra – e a produção não achou adequado simplesmente substituir o ator que interpreta o personagem como se nada tivesse ocorrido.

O filme começa com Shuri (Letitia Wright) falhando mais uma vez em recriar artificialmente a erva-coração. Nisso, recebe a notícia que seu irmão não resistiu a doença que o acometia e morreu.

Temos o velório do rei e se passa um ano.

Ramonda (Angela Bassett), até então rainha-mãe, assume o posto de regente de Wakanda e precisa lidar com a pressão internacional para compartilhar a tecnologia wakandana – especialmente naquilo que envolve o metal vibranium. Ao mesmo tempo, ela denuncia a tentativa desses mesmos países de invadirem as instalações wakandanas para tentar roubar a referida tecnologia.

Secretamente, o governo americano consegue uma máquina que localiza o vibranium. Essa máquina localizou o metal no fundo do oceano Atlântico, lar de um povo subaquático até então escondido do mundo moderno.

Namor (Tenoch Huerta Mejía), líder desse povo subaquático, acusa Wakanda de ter despertado o interesse internacional ao vibranium, colocando seu povo em ameaça estrangeira. Como compensação, exige que Wakanda lhe traga o cientista que produziu a máquina e, assim, possa neutralizar as buscas.

Shuri e Okoye (Danai Gurira) vão aos EUA para localizar esse cientista e, lá, descobrem que o cientista é “apenas” uma adolescente prodígio estudante do MIT. Elas decidem levar a cientista em segurança para Wakanda, mas são interceptadas pelos talocanianos.

Shuri, então, pede uma audiência com Namor. Namor aceita e conta sua história a Shuri: seu povo é descendente dos maias, que tiveram numa planta nativa permeada por vibranium, a chance de irem viver no fundo do mar, longe da cruel colonização dos espanhóis.

Namor pede ajuda a Shuri para se vingar dos povos colonizadores, mostrando ao mundo a força de Wakanda e Talocan, que agora são superiores. Shuri fica balançada, mas não aceita.

Namor, então começa uma guerra contra Wakanda e invade o país africano. Nessa ofensiva, Ramonda morre.

Shuri, usando das fibras que ela coletou da planta usada pelo povo de Talocan, consegue recriar sinteticamente a erva-coração e ganha os poderes do Pantera Negra. Ela arma uma contraofensiva e fica a um golpe de matar Namor, mas tem misericórdia do seu inimigo porque o entende e pede que ele se renda. Namor aceita e Wakanda sai vitoriosa.

No final, Shuri aceita a morte do seu irmão.

Para ver ou rever todos esses acontecimentos com ainda mais detalhes, vá até Pantera Negra: Wakanda para Sempre na Disney+.

Reflexão sobre Pantera Negra 2: As Fases do Luto

A psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, após estudo com pacientes terminais e seus familiares, produziu um livro chamado Sobre a Morte e o Morrer, em que desenvolve sua teoria dos cinco estágios do luto (ou fases do luto). Esses estágios ocorrem tanto em quem recebe a notícia de uma doença terminal quanto nas pessoas que perdem entes queridos e podem durar diferentes períodos de tempo, dependendo de cada pessoa e situação.

Todos os personagens principais de Wakanda passaram por esses estágios após a morte do rei T’Challa, mas claramente a personagem mais explorada no filme sobre isso foi a princesa Shuri – a qual, aparentemente, também foi a que mais demorou para superar a morte do irmão.

Abaixo, colocarei os estágios do luto, com breve descrição dos sintomas nas pessoas enlutadas após perderem entes queridos e uma tentativa de aproximar esses estágios de cenas ou momentos do filme (lembrando que não sou psicólogo):

a) Primeiro estágio: Negação e Isolamento

Momento em que a pessoa enlutada nega a morte do ente querido, não aceita que aquilo de fato aconteceu e se isola do mundo ou das pessoas, locais e/ou situações que lembram a perda ainda não aceita.

No filme, acredito que isso tenha ocorrido desde a notícia da morte de T’Challa – que Shuri recebe em seu laboratório – até antes da cena em que ela e Ramonda vão fazer o ritual de queima das vestes sagradas usadas no funeral do rei.

Nesse intervalo de tempo, tivemos o ritual de enterro – em que claramente Shuri está desconfortável e incrédula da religiosidade wakandana.

Mais para frente do filme, descobrimos que ela também abandonou a pesquisa que desenvolvia para recriar a erva-coração, demonstrando não querer voltar a viver aquele sentimento de fracasso que ela assumiu para si (como se a culpa da morte de T’Challa fosse dela, por não ter conseguido resolver essa pesquisa científica a tempo).

Passa-se um ano entre a morte do rei e o ritual de queima das vestes sagradas, e Shuri demonstra ainda insatisfação com a situação.

b) Segundo estágio: Raiva

Momento em que não dá mais para negar a morte da pessoa amada e a pessoa precisa lidar com aquilo.

No filme, vejo essa raiva demonstrada na conversa entre Shuri e Ramonda, na cerimônia de queima das vestes usadas no funeral. Shuri não quer queimar sua roupa porque seria assumir a morte do irmão e tem raiva por sua mãe e demais pessoas terem “aceitado fácil demais” a morte de T’Challa.

Também existe uma projeção dessa raiva na religião wakandana, que não traz para Shuri o conforto que as demais pessoas encontraram na perda do rei pantera negra. Para nossa realidade, seria o clássico “culpar Deus” por todo o ocorrido.

c) Terceiro estágio: Barganha

Nesse estágio, a pessoa enlutada tenta achar uma solução para o seu luto. Normalmente, esse estágio não aparece tanto em pessoas que já perderam seus entes queridos – mas pode sim se manifestar em situações como começar a “crer que a pessoa está mandando mensagens do além” ou “reencarnou em outra pessoa/coisa”.

No filme, acredito que essa fase da barganha pode ser encontrada quando Shuri resolve assumir o papel que seria, a princípio, de seu irmão. Tanto indo aos EUA encontrar a tal cientista que descobriu como localizar vibranium, quanto ir negociar com Namor. Em ambas as situações, a personagem acaba tentando “reviver” seu irmão – que era uma pessoa boa de ação e boa na diplomacia.

Shuri quer fazer do jeito dela aquilo que T’Challa teria feito se estivesse vivo. Seria uma forma de manter viva a alma do irmão dentro dela, ao assumir papeis que ele teria assumido.

d) Quarto estágio: Depressão

Provavelmente o estágio mais complicado e problemático para o enlutado. É a hora em que tudo “desaba” sobre ele e todas as forças se perdem. Vem a solidão e a tristeza profunda porque nada mais pode ser feito para “reverter o problema”.

No filme, esse estágio começa no momento do ataque de Namor a Wakanda e morte da rainha-mãe. Nessa hora, além de Shuri perder todos os seus parentes ela também compreende que não é T’Challa, que não conseguiu resolver os problemas como seu irmão teria resolvido. Se ela já se culpava por não ter recriado a erva-coração e salvado seu irmão, agora ela se culpa por não ter protegido Wakanda e sua mãe de Namor.

Sua depressão é tão intensa, que até quando ela consegue criar a erva-coração, ela não faz o ritual ancestral para usar a erva. Ela a toma quase de qualquer jeito.

Para piorar, o ancestral que ela encontra no Plano Ancestral é Killmonger (Michael B. Jordan), o breve rei déspota e belicoso que queria queimar todo o mundo e se vingar daqueles que oprimiram os negros. Ela não encontrou nem seu irmão, nem sua mãe.

Além de alimentar ainda mais sua raiva, Shuri acabou se sentindo ainda mais sozinha quando voltou ao nosso plano. Isso faz com que ela prepare uma estratégia arrasadora contra Namor e os talocanianos. Shuri se torna uma Pantera Negra mais parecida com Killmonger do que com T’Challa.

Esse estágio só vai terminar quando ela está prestes a matar Namor, mas resolve ouvir os ensinamentos de sua mãe e voltar a ser a boa e querida Shuri de antes do adoecimento de T’Challa.

e) Quinto estágio: Aceitação

Momento final, em que se aceita a perda. Momento em que se entende que a saudade fica, mas a tristeza deve ir embora. Tudo o que foi vivido com a pessoa amada agora é uma boa lembrança no coração, mas a vida precisa continuar.

No filme, isso é representado quando Shuri, após aceitar a rendição de Namor e trazer novamente a paz ao seu povo, vai para o Haiti se reencontrar no mundo, finalmente realizando o ritual de queima das suas vestes funerárias, tanto da que ela usou no enterro de T’Challa quanto na que usou no enterro de Ramonda.

O filme, nessa hora, revela a existência de Toussaint (Divine Love Konadu-Sun), seu sobrinho, filho de T’Challa e Nakia (Lupita Nyong’o). Toussaint, cujo nome wakandano também é T’Challa é a continuação material do antigo rei T’Challa na terra e na vida de Shuri.

Toussaint só poderia ser revelado agora para Shuri porque somente quando ela conseguisse aceitar a morte de seu irmão é que ela poderia amar seu sobrinho como uma pessoa única. Naquela situação, era preciso aceitar a morte de um para aceitar a vida do outro.

O ciclo da vida se mostra novamente, algo muito forte na cultura africana, que nós conhecemos muito bem pelos filmes do Rei Leão.

Conversando com uma neuropsicóloga sobre minha intenção em fazer essa reflexão sobre o luto, ela me indicou a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) como indicativa para pessoas que estão com dificuldades para lidar com seu luto.

Reflexão sobre Pantera Negra 2: As Artimanhas da Geopolítica

Cada país é independente entre si, mas as necessidades de paz e troca de mercadorias exige que os países vivam em convivência pseudo-harmônica.

Se tivermos um olhar crítico, todos os países só lutam pelo seu próprio interesse. Eles só manifestam interesse nos problemas dos outros se aquilo irá trazer algum benefício para si.

No filme, EUA e França criticam Wakanda por não compartilharem sua tecnologia de vibranium, sendo que isso não deveria ser obrigação de Wakanda já que os EUA e a França fazem questão de esconderem seus segredos militares do resto do mundo.

Para piorar, ao mesmo tempo em que EUA e França tentavam negociar acesso de forma diplomática, esses países usavam meios ilegais ou secretos para conseguir acesso a essas tecnologias.

Ou seja, não existe, no fundo, essa ideia de proteção coletiva. Ela só existe quando e enquanto interessa aos poderosos.

Na vida real, EUA ignorou a ONU (Organização das Nações Unidas) em 2003 e invadiu o Iraque sob uma alegação de Guerra ao Terrorismo.

Atualmente, EUA e outros países da União Europeia apoiam a Ucrânia não porque amam os ucranianos, mas porque não querem deixar a Rússia (a “cara atual” da antiga potência URSS) retomar seu poder sobre outros países.

Voltando ao filme, Ramonda deixa claro que o problema não é o vibranium, mas as demais pessoas que irão fazer mau uso desse metal.

Devemos lembrar que Wakanda é um povo próspero que nunca se preocupou em usar da sua tecnologia para atacar outros países. A tecnologia wakandana só é usada para autoproteção e ajuda social ao povo.

Diferentemente, outros países sempre desenvolvem grandes tecnologias primeiro para situação bélica e só depois ela acaba indo para o povo e tecnologias de serviço.

Por isso, não podemos ser ingênuos em acreditar que outros países querem nosso bem só por querer, sem nenhum interesse em troca.

Tudo, na geopolítica, é uma troca de favores. Sejam eles cobrados na hora ou posteriormente.

Reflexão sobre Pantera Negra 2: As Consequências do Colonialismo

Se no primeiro filme do Pantera Negra, foi trabalhado o colonialismo sobre os países africanos, nesse segundo filme, é trabalhado o colonialismo sobre os povos indígenas da América Central, especialmente os maias.

Apesar desse destaque para os maias, não podemos esquecer que outros povos indígenas também foram colonizados não só na América Central, mas também na América do Sul e na América do Norte.

Esses povos não só foram escravizados, mas também perderam o seu lar original e foram dizimados pela guerra invasora e doenças estrangeiras (como é mostrado no filme).

Da mesma forma que Wakanda escolheu o isolamento, Talocan também escolheu se isolar nas águas, no fundo dos oceanos, porque queria sobreviver e não se relacionar com essas culturas que querem prosperar às custas da servidão de outras culturas.

Os talocanianos só se revelaram porque foram novamente provocados, na insana busca pelo vibranium (que, em última instância, é a busca por mais poderio bélico).

Precisamos, assim como já temos buscado remediar nossos erros com os povos africanos, também remediar nossos erros com os povos indígenas.

Precisamos valorizar mais essas culturas e essa valorização não pode ser apenas naquilo que ela contribuiu com nossa sociedade, mas também restabelecendo suas terras (dentro do possível) e sua dignidade.

Vejo muitas piadas com povos indígenas brasileiros: que são preguiçosos ou que não merecem se considerar indígenas se usam tecnologias ou roupas seculares.

Isso não faz sentido!

Como um povo integrado com a natureza e despreocupado do acúmulo de bens materiais, os indígenas só “trabalhavam” para garantir comida, a moradia e as vestes. No resto do tempo, eles curtiam seu descanso e suas vidas.

Errados, talvez, estamos nós que corremos desesperadamente para ganhar muito e “luxar” em coisas supérfluas em vez de aproveitar os momentos da vida com calma e tranquilidade.

Já o questionamento sobre a identidade indígena, não pode se limitar ao exterior, como formas de se vestir ou novos comportamentos. Se não, brasileiros que fossem morar no estrangeiro e tivessem que falar outra língua ou se vestir de acordo com as regras de vestimenta daqueles países não poderiam mais se considerar brasileiros!

Precisamos repensar nossos povos originários e buscar soluções que respeitem suas identidades e dignidades – não só para garantia deles, mas também para nossa consciência -, tal como propôs o Enem no seu tema de Redação 2022.

Obviamente o caminho não é simples e precisa ser percorrido passo a passo. O importante é não fechar os olhos para a realidade: nem para a realidade do passado, nem para a realidade atual.

Reflexão sobre Pantera Negra 2: Conclusão

O filme Pantera Negra: Wakanda para Sempre conseguiu, mais uma vez, tocar em temas delicados da nossa sociedade. Talvez, ele não tenha sido o filme perfeito de homenagem ao ator Chadwick Boseman, mas tenho certeza que o falecido Pantera Negra gostou que sua morte foi encarada com seriedade e usada como mote para mais um filme que nos leva a refletir sobre problemas tão atuais e tão pouco falados abertamente.

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Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.