Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre a minissérie Cavaleiro da Lua. Nela, acompanhamos o funcionário de museu Steven Grant descobrindo que possui uma outra personalidade a qual fez um pacto com o deus egípcio Khonshu e que, agora, precisa enfrentar um servo da deusa egípcia Ammit. Na reflexão, abordarei o embate ético entre Khonshu e Ammit sobre a forma correta de punir os criminosos, e a questão de múltipla personalidade do herói. Teremos spoilers da série! Vamos lá!
Sobre Cavaleiro da Lua (COM POUCOS Spoilers)
A minissérie Cavaleiro da Lua é uma produção original da Disney+ de mais um super-herói da Marvel. Ela estreou em 2022 e conta com seis episódios. Ainda não está claro o futuro do personagem no MCU (Universo Cinematográfico da Marvel, em inglês) tendo em vista que a crítica dividiu opiniões sobre a produção.
Começamos acompanhando o funcionário de museu Steven Grant (Oscar Isaac). Ele é fissurado em Egiptologia Antiga, sonha em ser guia turístico do museu em que trabalha, mas só deixam ele ser atendente da lojinha de souvenires.
Steven tem problemas com o sono porque, ao dormir, ele acaba tendo apagões que podem durar horas ou dias. Quando isso acontece, ele acorda sem saber o que houve durante o apagão.
Em um desses apagões, ele acorda nos Alpes austríacos, sendo perseguido por fanáticos de um culto promovido por Arthur Harrow (Ethan Hawke). Steven consegue fugir portando um escaravelho de ouro (que ele não sabe como conseguiu).
De volta ao museu, trabalhando no turno da noite, Steven é confrontado novamente por Arthur. Arthur explica que serve à deusa egípcia Ammit e busca a justiça, condenando pessoas que não possuem um bom coração. E, para concretizar seus planos de livrar a Terra das pessoas ruins, precisa do escaravelho.
Steven foge e é perseguido por um mostro em forma de Chacal conjurado por Arthur. Encurralado, Steven é confrontado em sua cabeça com um outro eu dele. Esse outro eu pede permissão para assumir o controle de Steven em troca de protegê-lo. Steven aceita e imediatamente se torna o Cavaleiro da Lua, vencendo o Chacal.
A partir desse momento, Steven terá que fugir das investidas de Arthur enquanto tenta entender quem é esse outro eu que fala em sua cabeça.
Para saber como essa aventura termina, veja a minissérie! 🙂
Reflexão sobre Cavaleiro da Lua: Quando é a Hora Certa de Punir?
Qual é a Função da Punição?
De modo geral, pensamos a punição como um castigo infligido a alguém que cometeu um ato errado. Mas qual seria a sua função? Essa é uma pergunta importante porque pode nos orientar para entender as motivações distintas de Khonshu e Ammit.
Khonshu aplica sua pena a pessoas consideradas culpadas por crimes cometidos. Nesse caso, a punição é de caráter reparatório (reparar o mal que se fez). Khonshu, em certo sentido, serve como vingança daqueles que sofreram o mal dos malvados.
Ammit, por sua vez, aplica sua pena a pessoas consideradas culpadas, seja por crimes cometidos ou que venham um dia a cometer. Nesse caso, a punição tanto tem caráter reparatório (reparar o mal que se fez) quanto preventivo (evitar que um mal seja cometido). Ammit, em certo sentido, defende mais os inocentes que Khonshu porque evita que os inocentes sofram o mal dos malvados.
O Nosso Futuro está Escrito?
No contexto da série, parece que os deuses são capazes de prever o futuro e saber exatamente o que iremos ou não fazer. Com base nessa informação, a deusa Ammit preferia agir antecipadamente enquanto Khonshu preferia agir posteriormente.
Santo Agostinho já analisara o livre-arbítrio do ser humano sob a perspectiva da onisciência de Deus. Em sua conclusão, o filósofo entendeu que Deus sabe o que o ser humano irá fazer, mas isso não tira a escolha do ser humano nem provoca uma reação prévia de Deus.
Trazendo para o nosso debate, podemos dizer que a postura de Ammit é uma postura intervencionista, que tira o direito de escolha do ser humano ao puni-lo antes mesmo de cometer seu crime. O fato de se saber o que o ser humano irá fazer não lhe daria o direito de aplicar a pena antes de ter havido o fato causador da pena.
Para Santo Agostinho a justiça deve ser aplicada a posteriori e não a priori. Todos merecem receber recompensa ou punição como consequência dos seus atos, nunca antes dos seus atos. Nessa lógica, Khonshu estaria mais certo porque ele só pune depois que o culpado de fato cometeu seu ato mal.
Mas e nós? Como seres humano, os quais não possuem a onisciência, podemos condenar previamente alguém? Como agir para ser justo com todos?
Quando Você se Torna Culpado?
Quando trabalhei como professor de filosofia nos presídios do Rio de Janeiro, conheci um detento estrangeiro (acho que holandês) que alegava ser inocente. Segundo sua versão da história, ele veio para o Brasil negociar drogas (não lembro se para comprar ou vender). O problema era que seu contato brasileiro estava sendo monitorado pela polícia, que prendeu os dois por algo relacionado a tráfico de drogas. Na concepção desse preso, apenas negociar drogas não seria crime (ele disse que no país dele não era) e, por isso, sua prisão era injusta.
Na Bíblia, em uma passagem do Novo Testamento (Mateus 5,27-32), Jesus diz que “Todo aquele que olhar para uma mulher, com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela no seu coração”. Podemos entender, nesse caso, que já somos culpados pelo pecado, mesmo ele não tendo sido praticado em ato, mas “apenas” imaginado.
Esses dois exemplos nos levam à reflexão sobre em que momento nos tornamos culpados por uma injustiça. Será certo sermos culpados por pensarmos ou planejarmos algo errado? Ou qual seria o limite entre o pensar e o agir que nos tornaria culpados?
Todos temos, a princípio, três momentos: Pensar, Planejar e Agir.
1. Pensar
Acredito que o momento do pensar ainda é algo muito íntimo. A razão humana é capaz de pensar todas as possibilidades de ação do ser humano, até mesmo aquelas que não seriam boas. Muitas vezes, a nossa imaginação é o último refúgio que temos para lidar com situações que discordamos.
Sigmund Freud acreditava que fomos obrigados a renunciar aos nossos instintos para viver em sociedade. Esses instintos, que caracterizam o nosso Id, seriam as forças mais sinceras no nosso eu, que é obrigado a deixar de fazer o que gostaria para se adequar na sociedade.
Dessa forma, acredito que simplesmente pensar em algo considerado errado moralmente não justifica sermos considerados culpados.
2. Planejar
O planejamento já está no campo da execução. Ou seja, você já começou a movimentar as coisas para que aquilo que era só pensamento se tornasse um ato. Ainda é algo intermediário, mas já exige alguma disposição prática da pessoa.
Para deixar claro, planejar aqui seria concretizar algum plano e não apenas imaginar levianamente algo. Por exemplo, é planejar você vir até outro país para negociar valores e condições para compra/venda de drogas enquanto pensamento seria imaginar como seria trabalhar com a compra e venda de drogas.
No planejamento, você ainda não finalizou sua ação, mas já demonstrou vontade de ir até o final dessa ação. Por esse motivo, acredito que aqui já exista uma certa culpa, mas não completa.
Entre o início do planejamento e as vias de fato existe um caminho a se percorrer que pode ser grande ou curto, dependendo de cada caso. Isso deve ser levado em consideração.
Nos casos em que a pessoa foi parada ainda no planejamento, deve considerar esse tempo de planejamento porque mostra quanto tempo a pessoa teve para desistir e não o fez.
Porém, a punição para quem planeja deve ter um caráter mais pedagógico do que punitivo. A ideia é fazer a pessoa perceber o erro que estava cometendo ao planejar agir mal e ajudá-la a reconsiderar suas vontades, para que não busque mais querer agir de forma errada.
3. Agir
A ação é a concretização de tudo. A pessoa passou pelo pensamento e planejamento. Teve algum tempo para rever suas ações e não reviu. Por esse motivo, acredito que aqui existe a culpa completa.
Nesse caso, sua punição deve ter algum caráter de reparação ao mal cometido somado ao caráter pedagógico para que a pessoa entenda o erro que cometeu e não mais busque fazê-lo.
Reflexão sobre Cavaleiro da Lua: Quem Sou Eu?
Na série, primeiramente somos apresentados ao personagem Steven Grant. Do começo até o terço final da minissérie, acreditamos que ele é a personalidade dominante (o “verdadeiro eu”). Porém, acabamos descobrindo que o “verdadeiro eu” é Marc Spector (que antes parecia ser a segunda personalidade).
Na história, Marc Spector criou Steven Grant para lidar com o sofrimento que sentia ao ser menosprezado (e aparentemente agredido) pela mãe, que o culpava pela morte do irmão. Dessa forma, Steven era uma válvula de escape para Marc.
Essa apresentação inusitada das personalidades me fez refletir sobre quem nós somos realmente.
Essa semana, li um post no Instagram o qual dizia que, segundo a cultura japonesas, temos três rostos: um para as pessoas mais distantes de nós, um para as pessoas mais próximas e um que apenas nós encaramos no espelho.
Realmente, nós nos apresentamos de formas muito distintas para as pessoas. Além disso, quantas vezes já não ouvimos a famosa frase “se você convivesse mais com fulano, saberia que ele não é bem assim” ou mesmo vemos comportamentos destoantes como conhecer bem a pessoa e ver que ela age de outra forma nas redes sociais.
Em última análise, podemos dizer que todos nós temos várias personas que se apresentam de formas variadas para lidarmos com as diversas situações sociais necessárias. Não fazemos isso porque gostamos, fazemos porque os outros exigem isso de nós.
Obviamente, essa exigência é implícita. Assumimos essas personas porque acreditamos que é aquilo que esperam de nós ou porque acreditamos que os outros não aceitarão quem somos “de verdade”.
Na conclusão da série, as duas personalidades entraram em uma espécie de acordo e agora convivem entre si, como se fossem duas pessoas dentro de um corpo.
Seguindo essa conclusão da série, será que podemos assumir não existir um “verdadeiro eu”? Será que aquilo que chamamos de “verdadeiro eu”, self ou terceiro rosto não passa de apenas mais uma manifestação da minha complexidade?
Sendo assim, a série nos apresenta a possibilidade de conviver com múltiplas personas entendendo que cada uma delas sou eu mesmo, sou eu mesmo agindo de um jeito ou de outro, sou eu mesmo sendo de um jeito ou de outro.
Para cada situação, escolhemos um eu que deve encará-la e isso não precisa ser considerado ruim ou errado. Simplesmente, é o modo como agimos. O modo como somos.
O Eu não existe, o que existe são os “Eus“.
Reflexão sobre Cavaleiro da Lua: Conclusão
Ao final dessa reflexão sobre Cavaleiro da Lua, não seria errado dizer que ficamos mais confusos do que esclarecidos. De fato, a proposta de Ammit parece muito interessante apesar de sentirmos que algo está errado em sua decisão. Da mesma forma, apesar de sempre buscarmos nosso “verdadeiro eu”, parece mais reconfortante assumir que isso não existe.
E aí? Curtiu essa reflexão sobre Cavaleiro da Lua? Compartilha! Tem algo a acrescentar a essa reflexão sobre Cavaleiro da Lua? Comenta! Alguma sugestão para outras reflexões? Entra em contato!
Até a próxima e tenham uma boa viagem!