Outra Reflexão sobre O Guia do Mochileiro das Galáxias: O Poder de uma Pergunta e de uma Resposta
Olá, marujos! Hoje teremos outra reflexão sobre o livro O Guia do Mochileiro das Galáxias, que é uma segunda parte da reflexão que já começamos nesse outro artigo. No artigo de hoje, vou falar um pouco sobre essa busca incessante sobre a resposta final de todos os problemas do universo e do papel da filosofia nisso tudo. Teremos alguns spoilers do enredo do livro, de alguns fatos que acontecem nele, mas nada que vai estragar a experiência (ao contrário, a proposta é estimular você a ler o livro depois). Vamos lá!
Outra Reflexão sobre O Guia do Mochileiro das Galáxias: Ciência x Filosofia
Na história do livro, os cientistas criam um supercomputador, o Pensador Profundo, para encontrar a resposta para a grande Questão da Vida, o Universo e Tudo Mais. Só que antes do computador dar a resposta, aparecem dois filósofos revoltados porque, segundo eles, a grande resposta lhes tiraria o emprego!
Essa situação conflitante coloca foco em um dos grandes dilemas acadêmicos, que é exatamente o poder de se chegar à verdade sobre as coisas e que forma de pensamento seria capaz disso!
Na Teoria do Conhecimento, costumamos dizer que existem quatro formas de conhecimento: o Conhecimento Empírico, o Conhecimento Teológico, o Conhecimento Científico, e o Conhecimento Filosófico.
Já houve uma época em que a sociedade considerava que o conhecimento empírico e o teológico eram os responsáveis por encontrar o conhecimento verdadeiro. Hoje, algumas pessoas ainda pensam assim, mas a academia já não considera essas formas de pensar como aquelas que trarão as respostas definitivas.
A disputa hoje está entre a Filosofia e a Ciência. Mas o grande problema é que muitos não entendem que essas duas formas de pensar trabalham questões distintas.
Immanuel Kant, ao propor a Dialética Transcendental na sua Crítica da Razão Pura foi quem deixou claro o papel de cada área do conhecimento. Ele percebeu que a Ciência deve se preocupar apenas com questões que são passíveis de experiências controladas, que podem ser mensuradas, ordenadas e transformadas em leis ou regras universais (no sentido de que servem para todos). Já as questões transcendentes, que vão além da experiência sensorial, são próprias da filosofia, porque trabalham com um elemento que só pode ser racionalizado, pensado, mas não controlado e mensurado (impedindo, assim, sua universalização).
Mesmo assim, surgiu no século XIX uma teoria filosófica conhecida como Positivismo, proposta por Auguste Comte e John Stuart Mill, a qual acreditava que a Ciência seria a resposta para todos os problemas da humanidade e era a única capaz de encontrar a verdade e dar as reais soluções pra tudo. Segundo Comte, a humanidade passou por estados de evolução, sendo o primeiro o teológico (religião / mitologia) e o segundo o metafísico (filosofia), ambos já superados. Estaríamos, assim, no terceiro e último estado, que seria o positivo (ciência).
Essa corrente ganhou muita força e foi uma das responsáveis pela perda de influência da filosofia na vida das pessoas. A ciência se despontou como a única capaz de dar todas as respostas para a humanidade e isso ainda vigora no inconsciente de muitas pessoas. Mas, com o passar dos anos, percebeu-se que a ciência sozinha não resolve tudo, surgindo assim o termo “mito do cientificismo” para se referir a essa, agora considerada, ideia antiquada.
Outra Reflexão sobre O Guia do Mochileiro das Galáxias: 42
42 é o famoso número do livro O Guia do Mochileiro das Galáxias e é a resposta fundamental do Pensador Profundo, o segundo maior computador do Universo do Tempo e do Espaço, para a grande Questão da Vida, o Universo e Tudo Mais.
Como podemos perceber, essa resposta não significa exatamente nada. E essa é uma grande crítica ao pensamento cientificista. No livro, os cientistas Lunkwill e Fook deixaram claro ao supercomputador que eles queriam uma resposta simples. Se analisarmos bem, 42 é uma resposta simples, mas que, no final das contas, não nos diz nada.
Aqui, podemos fazer uma reflexão sobre o excesso de confiança que damos à tecnologia como “resolvedora” dos problemas da humanidade. O que esquecemos é o fato de que essa tecnologia é criada por nós mesmos e não podemos simplesmente colocar nas mãos delas todo o sentido de nossa existência. Pois “a Vida, o Universo e Tudo Mais” é muito mais complexo do que se pode imaginar.
Como Kant já dizia, somos nós, os seres humanos, que damos significado para aquilo que obtemos de informação da natureza. Logo, somos nós que devemos dar um sentido para a Vida, o Universo e Tudo Mais, é não uma máquina, mesmo essa máquina tendo sido criada por seres inteligentes.
A resposta 42 demorou sete milhões e quinhentos mil anos para ser dada pelo Pensador Profundo. Os agora responsáveis pelo supercomputador, Loonquawl e Phouchg, ficaram inconformados com a demora para uma mísera resposta, que não lhes diziam nada. Nesta hora, o supercomputador lhes fez a seguinte reflexão: “Para ser franco, acho que o problema é que vocês jamais souberam qual é a pergunta”.
Sempre estamos querendo saber as respostas para tudo, mas esquecemos muitas vezes de quais são as perguntas, ou também, quais são as intenções, os motivos, os porquês de eu querer saber algo. Os cientistas estavam tão obcecados em achar a resposta para todas as questões que afligem os seres inteligentes que se esqueceram de pensar bem na pergunta.
Tem um comercial antigo, que passava na TV, que dizia assim: “Não são as respostas que movem o mundo, são as perguntas”. A filosofia é a mestra das perguntas, porque ela sempre propõe desafios a serem respondidos e nunca aceitam as respostas dadas como definitivas. E quando algum filósofo decide tomar algo como certo, ele cria novas perguntas em cima daquilo, aprofundando e, ao mesmo tempo, expandindo aquele conhecimento.
Muitos consideram essa falta de fim, de conclusão, um problema da filosofia, mas essa é verdadeiramente a sua essência e sua principal força. O problema, como Douglas Adams deixa claro no livro, é a nossa teimosia em querer respostas simples para tudo, como se isso fosse possível.
Conclusão / Disclaimer
Pode ter parecido, nesse artigo, que tanto eu quanto o livro, abominamos a Ciência e a Tecnologia como se elas fossem demônios e veneramos a Filosofia como se fosse uma deusa. Não é bem assim. A ciência é fundamental para nossas vidas e muito do que temos hoje (inclusive esse computador de onde escrevo e esse celular de onde você lê o blog) foram conquistas científicas. A crítica aqui é ao pensamento (que ainda existe para algumas pessoas) de que a ciência é a única responsável por achar as respostas e as “verdades” sobre tudo.
Outra coisa a se destacar é que a Filosofia é muito bela na sua proposta, mas nem todos os “filósofos” ou “pensadores da filosofia” são dignos dela. Tem muita gente que se aproveita da filosofia para “vender a sua ideia” ou “vender a si mesmo”, transformando a filosofia em uma ideologia ou falso conhecimento (falacioso). O livro retrata isso com os filósofos que aparecem do nada para criticar o supercomputador por lhes roubar o emprego, mas depois ignoram tudo quando percebem que a resposta iria demorar e eles continuariam com as suas famas e fortunas, explorando agora qual iria ser a resposta dada.
E aí? Gostaram dessa outra reflexão sobre O Guia do Mochileiro das Galáxias? Você acha que existe uma resposta melhor para a grande questão da Vida, o Universo e Tudo Mais? Deixa aí nos comentários! Achou interessante esse embate entre ciência e filosofia? Compartilha esse artigo nas suas mídias sociais! Quer sugerir outro tema para reflexão nerd? Entra em contato comigo!
Até a próxima e tenham uma boa viagem!