Filosofia da Diferença Descomplicada: Metafísica de Deleuze

Filosofia da Diferença Descomplicada: Metafísica de Deleuze

Olá, marujos! Hoje, vamos explicar a filosofia da diferença de Deleuze de uma forma descomplicada. Após breve apresentação do filósofo, vou explicar essa visão filosófica dando a definição e o conceito criado pelo filósofo, explorando as críticas que ele faz aos conceitos anteriores de diferença. Darei vários exemplos para melhorar o entendimento dessa filosofia. Vamos lá!

Sobre o Filósofo

Gilles Louis René Deleuze é um filósofo francês contemporâneo considerado pós-moderno e pós-estruturalista. Passou sua vida e carreira na universidade, estudando e dando aula de filosofia. Defendia a interdisciplinaridade e, por isso, suas obras tanto utilizam diversos conhecimentos dos campos da arte, literatura, psicanálise, política e ciência ao mesmo tempo em que suas produções influenciaram essas áreas. É considerado um filósofo complexo por sua visão inovadora e uso de neologismos.

Filosofia da Diferença Descomplicada: Entendendo o Problema

Definindo o Termo

Classicamente, a filosofia definiu a “diferença” como oposição à “identidade”.

Sendo “identidade” aquilo que se diz quando “algo é igual a si mesmo”, “diferença” é aquilo que se diz quando “algo não é igual a outra coisa”.

Dessa forma, existe identidade quando dizemos que o “Sol é o Sol” apontando para essa estrela no céu durante o dia, e existe diferença quando dizemos “o Sol não é a Terra” apontando para a estrela no céu durante o dia quando falamos “Sol” e para onde estamos quando dizemos “Terra”.

A Relação com a Ontologia

Com isso, percebemos que tanto “identidade” quando “diferença” são atributos que damos para as coisas. “Identidade” e “diferença” não são seres, mas atributos atribuídos ao seres como forma de compará-los ou explicá-los.

Mantendo o exemplo anterior, o ser em questão é o Sol. E estamos atribuindo identidade a ele mesmo quando falamos dele e apontamos para ele, e estamos atribuindo diferença a ele quando o comparamos com outro ser (no caso, a Terra).

A Primazia da Identidade sobre a Diferença

Na origem da filosofia, já existia o desejo dos filósofos de entenderem o que é o ser, o que são as coisas, como pode existir mudança e as coisas permanecerem sendo o que são.

Entre os pré-socráticos, tivemos uma disputa entre Parmênides e Heráclito.

Parmênides defendia que o ser é essencialmente imutável, sendo qualquer mudança a passagem do ser para o não-ser. Aquilo que chamamos de mudança é algo apenas aparente, mas não real.

Heráclito defendia que o ser é essencialmente mutável, sendo a mudança aquilo que o definiria e a realidade. Nada seria fixo e permanente para ele, sendo apenas algo aparente e não real.

Platão deu uma solução para esse conflito dizendo que ambos estariam certos porque a natureza se manifesta de duas formas distintas: existiria o mundo metafísico real, o qual é habitado por ideias (conceitos perfeitos e imutáveis das coisas) e o mundo sensível (no qual estamos), o qual é habitado por cópias (reproduções imperfeitas das ideias).

Como exemplo, pense que existe a ideia de ser humano (que seria o conceito de ser humano, aquilo que define algo como ser humano) e existem nós (que somos diferentes um dos outros, mas que guardamos alguma semelhança com a ideia de ser humano e, por isso, não somos considerados um cachorro).

Acontece que, com essa explicação, o conceito de Ser e de Realidade deu mais valor ao atributo “identidade” do que “diferença”. O ser é igual a ele mesmo. Para sabermos o quão perfeito é algo, analisamos o quão idêntico ele é à ideia de seu ser.

Nisso, a “diferença” se tornou um atributo negativo. Ou seja, o utilizamos para separar/afastar algo da ideia do seu ser, para dizer o quão imperfeito algo é.

Essa primazia da identidade sobre a diferença permaneceria até os dias de hoje, sendo comprovada quando pensamos que queremos ser iguais, idênticos a alguém que temos como modelo e rejeitamos a diferença como sendo algo ruim.

Filosofia da Diferença Descomplicada: O Conceito de Diferença

Como Deleuze deixa claro no seu conceito de conceito, conceituar não é simples. Logo, para elaborar o conceito de diferença, ele irá explorar vários outros conceitos e se utilizará de várias relações entre esses conceitos e diferentes filósofos para expor seu pensamento.

Vamos, aqui, destacar as suas principais ideias para compreender aquilo que será conhecido como o conceito de “diferença pura” segundo Deleuze.

A principal obra do filósofo sobre esse tema chama-se Diferença e Repetição de 1968.

Diferença Ontológica

Para o filósofo, o ser é essencialmente diferença. Ou seja, o ser não se manifesta na identidade (como defendeu a filosofia clássica), mas na diferença (como defendeu Heráclito).

Em outras palavras, a identidade não existiria como algo real. A identidade seria uma ilusão, uma forma que a razão humana criou para tentar agrupar seres essencialmente diferentes como se fossem iguais ou semelhantes. Ao contrário, existência seria única porque tudo o que existe é de alguma forma diferente de tudo o mais que existe.

Para Deleuze, o ser é essencialmente múltiplo e variacional, se constituindo num devir, num vir-a-ser, algo que está sempre se diferenciando, se transformando.

Para tentarmos entender isso, pensem que não existiria o ser “cachorro” como uma definição perfeita e acabada do que seria cachorro. O ser “cachorro” permite e engloba várias variações e multiplicidades de raças que impedem um exemplar de cachorro ser tomado como o exemplo máximo do que é ser um cachorro “de verdade”, enquanto as outras raças não seriam um “cachorro de verdade”.

É tipo aquelas pessoas que preferem cachorros grandes e dizem que o labrador ou pastor alemão é um cachorro de verdade, enquanto um pinscher ou um chihuahua seria um “rato feio”.

Obviamente, estamos aqui falando de metafísica e, por isso, não é para entrar em questões como DNA…

Dessa forma, pensem um exemplo mais abstrato como o que é “música de verdade”: os defensores de música clássica diriam que funk não é música, seria uma deturpação da essência da música. Por outro lado, seguindo a filosofia da diferença de Deleuze, o “ser da música” pode se manifestar de diferentes formas e, por isso, pode estar presente tanto em Beethoven quanto em algum MC Funkeiro das comunidades do Rio de Janeiro…

Diferença como Força

Deleuze dirá que a diferença é uma força positiva, criadora e produtiva.

A diferença exalta a novidade porque, sendo estimulada, permite que busquemos nos afastar daquilo que já existe e procuremos fazer algo novo, o que é, essencialmente, diferente.

Repetindo o exemplo da música, se não existisse a diferença, ouviríamos apenas um estilo musical porque esse possuiria a “o ser único da música”. Porém, sendo o ser essencialmente diferença, é totalmente viável explorarmos diferentes formas de produzir, arranjar e combinar sons para criarmos diferentes estilos musicais, sendo todos eles exemplos de música.

Se existisse apenas o tal “padrão de beleza” feminina, somente alguns corpos seria considerados belos e todos os demais seriam feios. A diferença nos permite apreciar todos os corpos femininos como diferentes tipos de beleza, agradando a multiplicidade do gosto das pessoas.

Diferença como Possibilidade

A diferença abre caminho para uma crítica da busca pela verdade últimas das coisas.

Uma visão metafísica que coloca a prioridade sobre a identidade necessariamente concordará que existe uma verdade a ser alcançada e os esforços filosóficos e científicos devem encontrar essa verdade pois encontrar a verdade é encontrar a identidade do ser.

Por outro lado, se aceitarmos a diferença como essência do ser, não existe a verdade, mas a possibilidade. Sendo o ser essencialmente diferença, o que existem são possibilidades infinitas de manifestação do ser.

Sendo assim, não faz mais sentido buscarmos a verdade das coisas, mas vislumbrar as possibilidades de ser das coisas.

Um estudo filosófico ou científico exploraria as possibilidades do mundo, permitindo múltiplas respostas sobre um mesmo assunto.

Diferença e Repetição

Ao defender a diferença frente à identidade, Deleuze também defende a repetição frente à reprodução.

A reprodução é consequência da valorização da identidade. Reprodução é produzir novamente sempre a mesma coisa, sem qualquer tipo de mudança. A reprodução manteria, assim, a identidade daquilo que é reproduzido.

Já a repetição seria a consequência da valorização da diferença. A repetição seria o processo de refazer algo trazendo sempre uma diferença, uma variação, uma mudança nessa ação refeita.

Para ficar claro essa distinção, pense na diferença entre o cinema e o teatro. O cinema equivaleria à reprodução porque o filme sempre é passado de forma idêntica. Já o teatro equivaleria à repetição porque mesmo sendo a mesma peça, toda apresentação contém pequenas diferenças como entonações de fala, improvisos, erros e até possibilidades de mudança de figurino, cena ou ator.

Para o filósofo, o movimento ontológico do mundo se daria através da repetição seguindo a lei do eterno retorno.

Eterno Retorno

Trazendo o conceito nietzschiano de eterno retorno, Deleuze dirá que o ser ontológico se manifesta no eterno retorno do diferente porque o universo se repete ao sempre refazer não o mesmo, mas o diferente.

Por exemplo, o universo continua repetindo a existência dos mesmos seres vivos e não vivos, mas esses seres nunca são os mesmos, sempre são novos seres diferentes apesar de pertencerem à mesma espécie ou classificação. Ou seja, todo o ser humano que continua nascendo é um ser totalmente diferente dos demais seres humanos que já existem ou existiram. Nunca nascerá um ser humano idêntico a um ser humano que já existe ou existiu.

Filosofia da Diferença Descomplicada: Conclusão

A filosofia da diferença de Deleuze é uma forma de crítica ao modelo tradicional de compreensão da realidade e uma nova forma de compreender a realidade. Colocando a diferença como propriedade primordial do ser, Deleuze abre caminho para uma nova interpretação metafísica, lógica, epistemológica e ética do mundo porque coloca a diferença como ideal, como aquilo que é o “certo” a ser buscado e aceito. A diferença deixa de ser um atributo negativo para ser um atributo positivo. Parafraseando um comercial brasileiro clássico, ser diferente é mais do que normal, é necessário.

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Filosofia da Diferença Descomplicada: Referências

ANDRADE, Edson Peixoto. Derrida e Deleuze: Uma Introdução à Filosofia da Diferença. In: PROMETHEUS FILOSOFIA. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, n. 24 – setembro–dezembro/2017 – Ano 10.

CHAT GPT. Diferença em Deleuze. Acessado em 01 de jun. 2024.

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. 3ª ed.

MARINHO, Cristiane Maria. A Filosofia da Diferença de Gilles Deleuze na Filosofia da Educação no Brasil. Campinas, 2012. Relatório (Pós-doutorado em Educação) – Departamento de Filosofia e História da Educação, Universidade Estadual de Campinas.

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Tradução: António José Massano e Manuel. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1978.

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.