Olá, marujos! Hoje, explicarei aquilo que pode ser chamado de feminismo de Simone de Beauvoir de um jeito descomplicado. Após breve biografia da autora, explicarei a polêmica por trás de chamar essa filósofa de feminista e, depois, detalharei sua contribuição mais importante para o assunto: seu estudo sobre o que é a mulher na sociedade. Vamos lá!
Sobre Simone de Beauvoir
Simone de Beauvoir nasceu em Paris, França em 9 de janeiro de 1908. Era de uma família burguesa, que teve condições de lhe proporcionar uma educação de qualidade. Ela persistiu nos estudos acadêmicos após a educação básica e se graduou em Letras Clássicas, Matemática e Filosofia. Se tornou a professora mais jovem de filosofia da França aos 21 anos, dando aulas em liceus nas cidades de Marselha, Rouen e Paris. Iniciou suas publicações literárias e filosóficas aos 35 anos. Fundou a revista literária e política Les Temps Modernes junto com Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty, trabalhando nela como editora, tradutora e membro do conselho editorial. Viveu um relacionamento aberto com Sartre e foi sempre foi alvo de muitas críticas por sua vida e ideias progressistas para a época. Faleceu em 14 de abril de 1986 em Paris, França.
Para saber mais da biografia dessa filósofa, recomendo a leitura do artigo: Simone de Beauvoir Descomplicada: Biografia e Filosofia.
Feminismo de Simone de Beauvoir Descomplicado: Uma Polêmica
Simone publicou O Segundo Sexo, sua mais importante obra sobre o tema ‘mulher’, em 1949. Esse livro serviu de base para muitas reflexões sobre o modo como a mulher é compreendida na sociedade e as dificuldades pelas quais ela passa. Por isso, muitos consideram Beauvoir a “musa” ou mãe da segunda onda do feminismo (que focou questões sobre sexualidade, família, mercado de trabalho, direitos reprodutivos e desigualdades).
Curiosamente, a própria Simone de Beauvoir só foi se declarar claramente feminista em 1975 em uma entrevista dada à TV. Não que ela rejeitasse a luta feminista, mas ela nunca tinha encarado seu trabalho original dessa forma ou reivindicado esse título.
Outras críticas envolvem o fato da Beauvoir nunca se colocar como uma filósofa original, apenas uma discípula de Sartre. Isso incomodou bastante as feministas na época, mas essa visão acabou mudando quando escritos pessoais, publicados postumamente, mostraram que o casal tinha bastante divergências filosóficas.
Uma nova onda de estudos beauvoirianos começou nos anos 90 mostrando que existia muita originalidade na filosofia de Simone. Hoje, tudo aponta que Simone de Beauvoir preferiu, à época, se manter unida intelectualmente com Sartre para, juntos, conseguirem sustentar um projeto filosófico para as pessoas.
Resumindo: Sim, Simone de Beauvoir é feminista! Sim, seu livro O Segundo Sexo é uma obra feminista! Sim, seu estudo é indispensável para compreender a mulher e lutar pela causa feminista!
Feminismo de Simone de Beauvoir Descomplicado: O Outro
Simone concordará com Sartre que o indivíduo só se entende como sujeito quando se coloca em relação com aquilo que ele chama de objeto. Ou seja, eu sei que sou alguém quando compreendo que as outras coisas não são alguém, mas são algo. A minha autonomia surge quando compreendo que sou superior, sou o exemplo máximo, a essência, a definição por excelência do meu ser.
Ser sujeito é se colocar como ser pensante, atuante, vivo, modificador, capaz, criador. Ou seja, todas as características positivas de ação na realidade.
Quando essa relação é coloca entre um ser humano e um ser não humano, não existe problema. O problema surge quando essa relação é posta entre dois seres humanos. Nessa relação, a todo momento os papéis ficam se invertendo, ora sou sujeito ora sou objeto. Porém, sempre quero ser sujeito e, para isso, preciso fazer de tudo para manter o outro como objeto.
É dessa relação desigual que surge o patriarcado e a colocação da mulher como o Outro, sendo o homem o Um. Daí o título do seu livro ser O Segundo Sexo. A mulher, por vários acontecimentos políticos, sociais e religiosos, acabou sendo relegada ao papel de “O Outro Sexo”.
Ou seja, o homem, o masculino se considerou o primeiro sexo, o exemplo, a definição por excelência do que seria o ideal de ser humano e a mulher, o feminino se tornou o outro sexo, a coadjuvante, o desvio da regra, a exceção.
Como exemplo, vemos que tudo é pensando primeiramente para o corpo masculino e só depois para o feminino, adaptado quando necessário. Um bom exemplo são as regras (ou falta delas) no trabalho e na escola para situações em que mulheres estão na TPM ou período menstrual. Se as regras fossem criadas pensando primeiramente nos corpos femininos, com certeza existiriam diversas leis que resguardariam as mulheres quando estivessem nesse período.
Feminismo de Simone de Beauvoir Descomplicado: Tornando-se Mulher
A famosa e polêmica frase de Beauvoir é “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. Mas o que ela quer dizer com isso? Ela quer dizer que as diferenças sociais impostas para homens e mulheres NÃO são de caráter biológico, mas cultural.
Biologicamente, somos machos e fêmeas. Homem e mulher são conceitos de apresentação social, são modos como agimos na sociedade.
Muitos pensam que aquilo que define um homem ou uma mulher está atrelado necessariamente (obrigatoriamente) ao sexo biológico. Mas não é assim, pelo menos, não hoje.
Simone dirá que, na pré-história, até existia uma divisão social entre homens e mulheres muito atrelado ao sexo: homens saiam para caçar e mulheres ficavam em casa. Porém, as mulheres tinham um papel importante na economia social daquela época porque além de cuidarem dos filhos e da casa também eram as responsáveis pela criação dos utensílios usados por todos, pelas roupas usadas por todos e pela agricultura.
O problema começa na antiguidade, quando os homens assumem todos os papéis econômicos e relega às mulheres apenas o papel reprodutivo. É nesse momento que uma característica biológica acaba afetando completamente o papel social das mulheres.
Hoje (e na época de Beauvoir), porém, com todas as tecnologias existentes e arranjos sociais, não existiria mais a necessidade de a mulher ficar presa apenas às funções reprodutiva e doméstica. Ela pode assumir qualquer função que os homens assumem. Logo, se a sociedade ainda determina que o papel da mulher é em casa e cuidando dos filhos, isso é devido à cultura patriarcal e não a um determinismo biológico.
Mas porque essa condição ainda continua? Porque, ainda hoje, uma menina aprende como “se comportar” imitando, repetindo, emulando os comportamentos da sua mãe, avó, bisavó. Esse aprendizado se dá por diferentes frentes: família, religião, Estado, TV, redes sociais…. Dessa forma, a menina é condicionada e reproduzir um papel que lhe é determinado.
Exemplo clássico: a menina ganha bonecas, especialmente bebês. Dessa forma, ela acaba aprendendo que é sua obrigação ter filhos e cuidar deles. Ela ganha itens de cozinha e aprende que é seu dever cuidar da casa e cozinhar.
Reparem que meninos ganham carrinhos e bolas de futebol e, condicionados, muitos se tornam fanáticos por carros e futebol. Mulheres, de modo geral, não são assim. Porquê? Porque não ganham carrinhos e bolas…
Feminismo de Simone de Beauvoir Descomplicado: Situação e Opressão
No existencialismo, existe o conceito de “situação”, que descreve tudo aquilo que nos é imposto desde quando nascemos: sexo biológico, período histórico e localidade, poder econômico, estrutura familiar. Porém, o existencialismo acredita que podemos superar essa situação e transcendê-la, indo além dessas determinações e trilhando nosso próprio caminho.
Quando não fazemos isso e reclamamos que não conseguimos mudar por causa de nossa situação, estamos agindo de má-fé, o famoso “dando uma desculpa” porque nós teríamos sim a liberdade de agir diferente e perseguir nossos sonhos.
Porém, Simone de Beauvoir discorda que esse pensamento se aplica às mulheres em uma sociedade patriarcal. Para a filósofa, nesse caso, existe uma opressão do homem sobre a mulher que torna qualquer tentativa de mudança praticamente impossível. Não existiria má-fé das mulheres, simplesmente não haveria espaço para elas agirem e mudarem a realidade.
Podemos pensar em casos como uma mulher que aceita permanecer em um relacionamento abusivo. Muitas vezes, ela quer sair, mas não quer abandonar os filhos ou não tem como sustentá-los, não possui emprego, não possui família ou amigos que a acolham, ela crê que o casamento é indissolúvel. É muito fácil dizer para alguém simplesmente largar tudo e ir embora, mas essa decisão nunca é fácil e se torna ainda mais difícil se a mulher não possui independência ou rede de apoio confiável.
Feminismo de Simone de Beauvoir Descomplicado: A Mulher Independente e a Intersubjetividade Libertadora
Luta Coletiva
É por causa de toda essa situação opressora que a mulher vem passando durante milênios em sociedades patriarcais que é praticamente impossível uma mulher sozinha conseguir sua independência individual.
Todas aquelas que, ao longo da história, tentaram se emancipar sofreram pesadas críticas e ataques. E mesmo aquelas que sobreviveram (física e socialmente), não conseguiram arrastar muitas consigo, mesmo servindo de exemplo.
Aí entra a importância, segundo Beauvoir, da luta coletiva. É apenas com a união das mulheres e de homens conscientes que as coisas poderão mudar em grande escala.
É preciso reformulações legais, sociais, culturais, religiosas, econômicas e científicas que deem um status de igualdade às mulheres, tirando delas esses estigmas de seres “o Outro” para serem “Um” com os homens.
Caminho para a Conciliação
Os homens erraram, e erraram feio, quando, para se reconhecerem como sujeitos, colocaram as mulheres como objetos. Conduto, a própria filósofa reconhece que a solução não é as mulheres se reconhecerem como únicos sujeitos e transformarem os homens em objetos, em Outros.
A filósofa exorta homens e mulheres àquilo que ela chama de reconhecimento genuíno. Precisamos reconhecer os outros como sujeitos, os outros como Uns e não como Outros.
Para isso, porém, precisamos aceitar a ambiguidade de que somos ao mesmo tempo sujeitos e objetos. Que ora analisamos e ora somos analisados, ora olhamos e ora somos olhados, ora somos ação ora somos reação, ora somos ativos e ora somos passivos.
Essa ambiguidade é própria do ser humano e precisa ser entendida por ambos os sexos se quisermos uma sociedade igualitária.
Feminismo de Simone de Beauvoir Descomplicado: Conclusão
Simone de Beauvoir é uma das poucas filósofas famosas. Ela sofreu e ainda sofre muitas críticas e perseguição por suas ideias. Isso mostra o quanto que uma sociedade patriarcal como a ocidental tirou espaço de filósofas, sociólogas, cientistas, políticas etc. Que as ideias de Beauvoir possam ajudar homens e mulheres a reconhecerem a desigualdade de nossa sociedade e lutarem por uma igualdade social.
E aí? Gostou dessa explicação descomplicada sobre o Feminismo de Simone de Beauvoir? Compartilha! Quer um artigo descomplicado sobre outros conceitos de Simone de Beauvoir? Entra em contato comigo dizendo qual gostaria de ver aqui! Alguma parte ficou confusa ou gostaria de complementar a explicação? Comenta!
Até a próxima e tenham uma boa viagem!
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Referências
CANDIANI, Heci Regina. Simone de Beauvoir. In: Enciclopédia Mulheres na Filosofia. Acessado em 26 dez. 2023.
CARDOSO, Paulo José Gomes; PERUZZO JÚNIOR, Léo. A existência da mulher em Simone de Beauvoir. In: Memorial TCC – Caderno da Graduação, Curitiba, 2021. Acessado em 27 dez. 2023.
CYFER, Ingrid. Afinal, o que é uma mulher? Simone de Beauvoir e “a questão do sujeito” na teoria crítica feminista. In: Lua Nova, São Paulo, 94: 41-77, 2015. Acessado em 26 dez. 2023.
MORAES, Maria Lygia Quartim de; SANTOS, Magda Guadalupe dos. Simone de Beauvoir e a escrita dos feminismos. In: Cadernos Pagu, Campinas, 56, 2019. Acessado em 26 dez. 2023.