Uma Reflexão sobre Alita – Anjo de Combate: O Ser Humano Máquina e Mobilidade Social
Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre o filme Alita – Anjo de Combate. O filme é surpreendente na sua tecnologia e cenas de combate, ambas colaborando para contar uma história que nos leva a questionar o presente e o futuro da humanidade, tanto na questão tecnológica quanto na social. O texto contém alguns spoilers do filme, mas não vão impedir de se divertirem com ele. Inclusive, esse texto vai até ajudar a apreciar ainda mais o filme. Vamos lá!
Sobre o Filme
Alita – Anjo de Combate é um filme de 2019 baseado em um mangá de mesmo nome. O estilo do filme é conhecido como cyberpunk, ou seja, uma ambientação futurística caótica em que a tecnologia é avançada a tal ponto que a humanidade (como atributo) se torna dispensável.
Acompanhamos o despertar de uma ciborgue (Rosa Salazar) encontrada no lixo. Ela foi reconstruída pelo doutor Dr. Dyson Ido (Christoph Waltz) e recebeu o nome de Alita. Alita não se lembra do seu passado, e começa a levar uma vida nova naquela cidade. Ela conhece o garoto Hugo (Keean Johnson) e eles se apaixonam.
Hugo quer sair daquela cidade, chamada Cidade do Aço, e ir para a cidade flutuante Zalem. A Cidade do Aço é uma cidade subdesenvolvida, que serve para produção de matéria prima para Zalem, que é uma cidade superdesenvolvida. As cidades se ligam por cabos, que só passam os materiais, sendo proibido pessoas ascenderem sem autorização.
Hugo junta dinheiro para poder comprar o direito de ir para Zalem e Alita resolve ajudá-lo. O problema é que Alita na verdade é uma super soldada inimiga, que lutou em Zalem na última guerra e sobreviveu. Ela é uma Berserk treinada na arte do Panzer Kunst, que para simplificar significa: ela é muito boa e não tem pra ninguém quando ela entra no modo combate.
Nova (Edward Norton) é um cientista e líder de Zalem e quer Alita para estudar seu corpo e para isso usa dos seus subordinados na Cidade do Aço para capturá-la. Óbvio que isso vai criar grandes problemas para Alita, Hugo e todos os que estão próximos deles…
Uma Reflexão sobre Alita – Anjo de Combate: O Limite entre o Ser Humano e a Máquina
Os principais seres do universo desse filme são os ciborgues. Essa palavra é um aportuguesamento de cyborg que, por sua vez, é uma abreviação do termo cybernetic organism (traduzindo: organismo cibernético). Em outras palavras, usamos o termo ciborgue para definir algo que é um organismo possuidor de partes orgânicas e cibernéticas.
A questão aqui é o limite entre ser um ser humano e ser uma máquina, o que no fundo acaba sendo uma questão filosófica: o que significa ser um ser humano. No filme, vemos desde pessoas que só possuem um braço robótico (o resto humano) a pessoas que só possuem a cabeça humana (o resto cibernético). Cabeça aqui significa mais o cérebro e a face do que todo o crânio.
Parece ser uma questão simples, mas não é. No próprio filme, Hugo sofreu preconceito de seus amigos por estar apaixonado por uma ciborgue. Alita é um caso dos que só a cabeça era humana. Mas se ele namorasse uma garota que só tivesse uma mão biônica (o resto sendo humano), provavelmente não existiriam problemas.
Na nossa sociedade mesmo é uma questão delicada, já existindo discussões sobre o velocista Oscar Pistorius, porque ele era amputado das pernas, mas queria disputar corridas com atletas que não tinham nenhum problema físico. A discussão girou em torno das próteses, se elas iriam beneficiá-lo ou não.
A série Black Mirror também trabalha essas ideias em alguns de seus episódios, elaborando um futuro muito mais próximo, com tecnologias mais próximas de chegarem a nossas mãos, mas não menos problemáticas.
A área da filosofia que trabalha a compreensão de quem é o ser humano se chama Antropologia Filosófica e ela busca entender se existe uma essência do ser humano (ou seja, se existe alguma característica necessária para que algo seja considerado humano ou não humano) e o que seria ela. Muitas são as respostas, e elas levam em consideração os momentos históricos da própria humanidade. Você pode ver algumas dessas teorias nesses artigos que escrevi: aqui e aqui.
Se tentássemos elaborar uma reflexão sobre o que é ser um ser humano no universo de Alita, teríamos que ver quais são as características humanas que permanecem nos ciborgues. Eu ousaria dizer que a essência de ser humano desse universo é uma combinação de razão, sentimentos e livre-arbítrio. Ou seja, para ser considerado humano, o ser precisaria raciocinar, ter sentimentos (bons ou maus) e liberdade de tomar decisões (boas ou más). Assim, o corpo físico em si não importaria tanto, mas sim o que fazer com esse corpo, como usá-lo.
Uma Reflexão sobre Alita – Anjo de Combate: O Problema da Mobilidade Social
O enredo do filme foca muito na tentativa das pessoas que vivem na Cidade do Aço conseguirem ir morar em Zalem. Zalem não é mostrada com detalhes, apenas de longe, como se fosse um ideal a ser alcançado. Assim, ficamos curiosos de saber quão interessante e maravilhoso deve ser esse lugar, já que muitos fazem de tudo para lá morarem.
O filme mostra uma realidade cruel da nossa sociedade que é a tentativa frustrada de mobilidade social. Mobilidade social é a capacidade de alguém mudar de status social, seja para cima ou para baixo. Antigamente isso era bem raro, pois se você nascia na nobreza ou na plebe, iria passar sua vida lá. Hoje, com o capitalismo e a divisão sendo feita pelo salário médio, existe a esperança constante de um dia crescer de vida ao mesmo tempo em que existe um medo enorme de cair.
O problema atual (que é retratado no filme) está na falsa esperança de mobilidade social. Os pobres acham que conseguirão subir através do acúmulo de riquezas (Hugo), através do seu valor intelectual (Dr. Chiren [Jennifer Connelly]) ou através da fama (jogadores de Motorball – o principal esporte daquela sociedade). Entretanto, aparentemente, ninguém realmente consegue ascender por si só, apenas se os que estão em Zalem deixarem, mostrando que não adianta lutar contra o sistema. Uma das teorias filosóficas que tentaram lutar contra essa forma de viver foi o socialismo, que você pode aprender um pouco mais lendo esse artigo que escrevi.
No filme, acaba que a pessoa mais sensata é Vector (Mahershala Ali), que comanda oficialmente o jogo Motorball, e extra-oficialmente governa a Cidade do Aço (por trás da organização conhecida como Fábrica). Ele, em dado momento, diz: “Prefiro governar o inferno a servir no céu”. Com isso, ele mostra que mais importante do que o lugar em que você está é o seu valor onde você está.
Uma Reflexão sobre Alita – Anjo de Combate: Conclusão
Alita – Anjo de Combate é um filme que pode ser admirado tanto pelo seu lado estético (a qualidade da animação dos ciborgues é fenomenal), suas cenas de combate (há muito tempo não via tantas cenas legais e diversificadas de lutas em um filme), ou suas reflexões (alguns pontos eu levantei aqui, mas poderíamos falar de outros). Esse é um filme que representa bem a teoria que defendo: o cinema faz filosofia através de suas imagens em movimento, podendo nos agradar tanto a nível emocional quanto racional.
E aí? O que achou da minha definição de essência do ser humano no filme Alita – Anjo de Combate? Deixa sua opinião nos comentários! Leu o artigo, viu o filme e gostou? Envia agora esse texto para o seu amigo que diz que filme blockbuster / de ação / nerd não leva ninguém a pensar! Quer sugerir outros filmes de ação para refletirmos ou quer aprender mais sobre antropologia filosófica? Entra em contato comigo!
Até a próxima e tenham uma boa viagem!