Uma reflexão sobre Dispositivo: um "conceito" de Michel Foucault

Uma reflexão sobre Dispositivo: um “conceito” de Michel Foucault

Uma reflexão sobre Dispositivo: um “conceito” de Michel Foucault

Olá, marujos! Hoje vamos fazer uma reflexão filosófica sobre o conceito de “dispositivo” contido nas obras de Michel Foucault. Para essa reflexão, iremos nos basear em outros dois filósofos. Primeiramente, trabalharemos com uma interpretação de Foucault feita pelo filósofo Gilles Deleuze, que não define o que é dispositivo, mas apresenta as características presentes em todos os dispositivos (é como se alguém desses as características de uma pessoa, mas não dissesse quem ela é). O segundo filósofo será Giorgio Agamben, que além de explorar a origem do termo “dispositivo”, dará uma definição e um aprofundamento para esse conceito. Vamos lá!

Dispositivo segundo Deleuze

Nas obras de Foucault, um dos conceitos que podemos verificar é o de ‘Dispositivo’. Assim como a própria obra do filósofo, seguindo seu estilo literário, esse conceito nunca foi plenamente definido, sempre sofrendo alterações, modificações e complementações, se mantendo sempre vivo a cada novo estudo do filósofo. Essa característica se torna aceitável, tendo em vista que os dispositivos estão presentes na sociedade e é nela que eles atuam e vivem. Como sabemos que ao longo do tempo e lugar, as sociedades continuamente se modificam, os dispositivos também se adaptam ao mesmo tempo em que dão forma às sociedades em que estão presentes.

Esse assunto é tão discutido nas obras foucaultianas que podemos considerar sua filosofia como uma análise dos dispositivos concretos (DELEUZE, 1990), ou seja, exemplos aplicados desses dispositivos na sociedade. Mesmo assim, essa concretude não é facilmente explicada porque os dispositivos são processos sempre em movimento, fluidos.

Deleuze, ao escrever sobre o conceito de dispositivo nas obras de Foucault, tenta explicá-lo através de uma análise das diversas dimensões que compõem um dispositivo. Tentaremos assim, entender esse conceito complexo com as luzes dadas por Deleuze, o que, na verdade, não resolve propriamente o problema, pelo fato da dificuldade que o próprio Deleuze coloca (talvez proposital) em explicar o que é um dispositivo. Não podemos também desconsiderar a proximidade com que esses pensadores trabalhavam assim como a liberdade que tinham em se utilizar do pensamento um do outros: desta forma, não seria de se espantar que na explicação dada sobre o conceito de dispositivo de Foucault, Deleuze estivesse fazendo sua própria filosofia sobre o tema.

Foucault trabalha diversas dimensões que compõem os dispositivos, segundo Deleuze. As primeiras destacadas são: as curvas de visibilidade e as curvas de enunciação. A curva de visibilidade “é formada de linhas de luz que formam figuras variáveis e inseparáveis deste ou daquele dispositivo” (Ibid.) apontando o caráter ótico do dispositivo, sua característica de “visível” ou “invisível”. As curvas de enunciações “são curvas que distribuem variáveis” (Ibid.) apresentando as intenções variadas de cada dispositivo em cada situação em que aparecem.

As linhas de força compõem a terceira dimensão dos dispositivos. É interessante notar que elas perpassam todas as características dos dispositivos, mostrando que vivemos perpetuamente e plenamente em um embate de forças. São essas forças que movimentam a roda da vida, determinando os vencedores e os perdedores, os dominadores e os dominados de cada época e lugar. As linhas de forças determinam o surgimento de novos dispositivos e/ou seu comportamento pelo fato deles serem os principais meios de se manter o controle.

Ao determinar que os dispositivos possuam linhas de subjetivação, Foucault busca uma forma de impedir que seu trabalho chegue a uma definição concluída, perdendo assim sua atualidade. Na possibilidade dos dispositivos se voltarem para si mesmos, o filósofo desenvolve uma válvula de escape para que o dispositivo não fique restrito apenas aos embates de força, determinando-se. Essa característica não está pré-estabelecida nos dispositivos, nem se desenvolve em todos, tornando bem própria a intenção de se permitir ao dispositivo uma vida renovada sempre que isso se tornar necessário.

Todo dispositivo se define, pois, pelo que detém em novidade e criatividade, o qual marca, ao mesmo tempo, sua capacidade de se transformar ou se fissurar em proveito de um dispositivo do futuro (Ibid.).

Dispositivo segundo Agamben

Agamben é outro filósofo que busca compreender o conceito de ‘dispositivo’ de Foucault; nesse caso, ele admite que, depois de explorar o pensamento do filósofo francês, ele partirá para suas próprias conclusões. Com isso, teremos uma novidade sobre esse conceito.

Primeiro, Agamben faz uma busca nas origens do termo ‘dispositivo’ para compreender o porquê de sua utilização por Foucault. Seu trabalho analisa que Foucault utilizava no início de seu pensamento, o termo ‘positividade’ (positivité), que herdou de seu mestre Jean Hyppolite, que, por sua vez, se baseou em um trabalho de Hegel. Na obra do alemão, positividade correspondia à distinção entre “religião natural” e “religião positiva”. Já para Hyppolite, a oposição trabalhada é a liberdade e coerção, razão e história (AGAMBEN, 2005, p. 10).

Esse termo, ‘positividade’ que não é estranho ao Direito, nos ajuda a perceber para qual caminho o pensamento dos dispositivos irá nos levar. Durante todas as épocas da sociedade, sempre existiram disputas de poder, jogos de forças, com objetivos de dominação e controle. Não existe naturalidade nessas ações, a menos que consideremos natural a busca de poder do ser humano. Sempre que se tinha alguém no poder, seja apenas um sujeito ou um grupo, se buscava colocar limites nas ações dos outros com fins sociais, buscando-se o bem maior do grupo; o que não significa concordância com a maioria, apenas pretensão de estar fazendo o melhor. Claro que esse pensamento corresponde à teoria, porque na prática, nem sempre os dominantes tinham boas intenções, muitas vezes agindo com ‘positividade’ para interesses próprios.

Sendo a ‘positividade’ a ação, os instrumentos utilizados para esse fim são os ‘dispositivos’. Agamben nos dá uma boa definição, nesse sentido:

Certamente o termo, no uso comum como no foucaultiano, parece se referir à disposição de uma série de práticas e de mecanismos (ao mesmo tempo linguísticos e não-linguísticos, jurídicos, técnicos e militares) com o objetivo de fazer frente a uma urgência e de obter um efeito (Ibid., p. 11).

Dessa conclusão, o filósofo italiano consegue relacionar o dispositivo foucaultiano com o termo oikonomia dos primeiros teólogos cristãos. No cristianismo, o termo significava a forma como Deus escolheu realizar no mundo a salvação; e isso se relaciona com a intenção dos dispositivos, que são instrumentos de governabilidade dos homens.

Comum a todos esses termos é a referência a uma oikonomia, isto é, a um conjunto de práxis, de saberes, de medidas, de instituições cujo objetivo é de administrar, governar, controlar e orientar, em um sentido em que se supõe útil, os comportamentos, os gestos e os pensamentos dos homens (Ibid., p. 12).

Com isso posto, Agamben traz sua novidade que é a constatação que sempre houveram dispositivos, desde que existe a humanidade, sendo que agora, na nossa atualidade, não existe nenhum momento em que não estejamos nos relacionando com algum dispositivo. Indo além, ele considera que o sujeito nasce da relação do homem, ser vivente, com os dispositivos; e dessa interação, o homem se deixa capturar por eles. Nossa sociedade, especialmente pelo capitalismo, é uma sociedade inteiramente entregue aos dispositivos que nos governam.

A solução, segundo o filósofo, é uma “profanação”, o contra dispositivo, que é busca pela libertação do homem desse jugo. Para ele, cada vez estamos mais dóceis aos dispositivos que nos moldam e nos colocam a mercê dos nossos governos. A profanação, assim, se torna urgente para alcançar a fuga dessa política que nós mesmos nos colocamos.

Uma reflexão sobre Dispositivo: Conclusão

Ao final dessa reflexão sobre dispositivo foucaultiano, pudemos perceber que existe uma complexidade no conceito de “dispositivo”. Michel Foucault trabalhou esse conceito ao longo de suas obras, mas não quis defini-lo. Deleuze estudou esse conceito e também não quis defini-lo, apesar de nos apresentar uma estrutura para entendermos esse conceito. Por fim, Agamben nos dá uma definição, que no fundo pode ser entendida como uma interpretação, e também um aprofundamento original desse conceito.

De qualquer forma, o que nos deve ficar claro é que os dispositivos existem, e basicamente são as formas como os poderosos nos controlam, como eles exercem o poder sobre nós sem percebermos. Isso pode ir desde a forma como somos educados na escola até aquilo que vemos na TV. Qualquer meio que possa nos influenciar, e, consequentemente, nos domesticar (no sentido de nos deixar dóceis a uma ordem) é um dispositivo. Se gostou desse assunto, explore as referências e a própria Internet. Use-a a seu favor!

E aí? Será que vocês conseguiram perceber algum dispositivo no dia a dia de vocês? Deixa aí no comentário! Achou interessante essa reflexão filosófica sobre dispositivo? Compartilha esse artigo para mais pessoas terem acesso a esse conteúdo! Gostaria que eu desenvolvesse mais esse tema ou o aprofundasse ou explicasse ele na sessão “filosofia descomplicada“? Me manda uma mensagem pelo formulário de contato!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

Uma reflexão sobre Dispositivo: Referências

AGAMBEN, G. O que é um dispositivo? Tradução de Nilcéia Valdati. Outra travessia. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, n. 5, p. 9-16, 2005.

DELEUZE, G. O que é um dispositivo? Tradução de Wanderson Flor do Nascimento. Disponível em: http://escolanomade.org/2016/02/24/deleuze-o-que-e-um-dispositivo/ Acesso em: 09 set. 2019.

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.