Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre Obi-Wan Kenobi. Nessa minissérie, o jedi Obi-Wan precisa sair do seu esconderijo para realizar uma missão secreta. Na reflexão, trabalharei o conceito filosófico de altruísmo, que é uma característica peculiar dos jedis e que, às vezes, os coloca em sérios problemas. Também farei um contraponto com o oposto do altruísmo, que é o egoísmo. Teremos spoilers da série! Vamos lá!
Sobre Obi-Wan Kenobi (COM Spoiler)
Obi-Wan Kenobi é uma série do gênero ficção científica e ação-aventura de 2022. Ela está disponível na Disney+ e é baseada no universo da franquia Star Wars, criada por George Lucas.
O universo de Star Wars mostra uma história que aconteceu “há muito tempo, em uma galáxia muito, muito distante…”. Essa é a história de rebeldes que lutaram contra um império ditatorial para voltarem a ser uma república federativa de planetas.
A série Obi-Wan Kenobi se passa depois do filme Episódio III – A Vingança dos Sith. No final desse filme, o Império chega ao poder após uma manobra política e extermínio da maioria dos jedis (uma ordem religiosa guerreira do bem). O jedi Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor), um dos poucos sobreviventes, recebe a missão de ir secretamente até o planeta Tatooine deixar o bebê Luke Skywalker com seus tios maternos, e permanecer cuidado dessa criança que será fundamental para o futuro da galáxia.
Dez anos se passam e Obi-Wan continua sua missão, vivendo praticamente no anonimato. Porém, ele precisará mudar seus planos e entrar em ação porque a princesa Leia Organa (Vivien Lyra Blair) foi sequestrada. Leia é tão importante para a galáxia quanto Luke porque ela é irmã gêmea dele (apesar de poucos saberem disso).
Leia foi sequestrada por Reva (Moses Ingram), a Terceira Irmã dos Inquisidores, um grupo de elite criado pelo Império para caçar os jedis remanescentes. Reva sabia da amizade entre Obi-Wan e o pai adotivo de Leia, concluindo que o jedi precisaria se revelar para ajudar o amigo.
Para saber se Obi-Wan conseguirá concluir a missão, assista: Obi-Wan Kenobi na Disney+.
Reflexão sobre Obi-Wan Kenobi: O Conceito Filosófico de Altruísmo
Altruísmo foi um conceito filosófico criado por Auguste Comte em seu livro Sistema de política positiva.
Pode-se definir altruísmo biologicamente como “a inclinação natural que nos levaria a escolher o interesse geral de preferência a nossos próprios interesses” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001), e eticamente como “a atitude generosa que consiste em sacrificar efetivamente seu interesse próprio em proveito do interesse do outro ou da comunidade” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001).
Para Comte, Altruísmo seria uma motivação biológica do caráter, parte ativa do ser humano, composta por uma combinação de três instintos: o apego, a veneração e a bondade.
O altruísmo se oporia ao egoísmo, que também seria uma motivação biológica do caráter, mas composta por uma combinação de cinco outros instintos: nutritivo, sexual, materno, destrutivo e construtivo.
É interessante notar que, por combinar mais instintos, agir egoisticamente nos consome mais energia do que agir altruistamente. Entretanto, a nível social, a ação egoísta é menos importante para o ser humano do que a ação altruísta. Em outras palavras, é mais fácil, biologicamente, ser altruísta e os resultados dessa ação são socialmente mais benéficos.
Vale destacar que, para Comte, egoísmo e altruísmo não são motivações radicalmente opostas porque existiriam tendências intermediárias – dominação e aprovação – que são satisfações buscadas pelo indivíduo dentro das relações sociais.
Para Comte, o grande problema humano, que causa a desordem da sociedade, é a sobreposição do egoísmo sobre o altruísmo. Consequentemente, a solução para esse problema é subordinar o egoísmo ao altruísmo.
Como podemos ver, agir altruisticamente deveria ser mais simples para nós e é o melhor para a sociedade.
Reflexão sobre Obi-Wan Kenobi: Os Jedis como Personificação do Altruísmo
Em um dos primeiros episódios, os Inquisidores chegam a uma cidade a qual tinham indícios da existência de um jedi escondido. Os inquisidores questionam os frequentadores de uma taverna, mas todos alegam desconhecer a existência de um jedi entre eles. Sabendo que estavam mentindo, os inquisidores resolvem agredir um dos populares pois, em suas palavras, “os jedis não conseguem deixar de ajudar”.
Dito e feito, mal começou a tortura e o jedi escondido se revelou para proteger o inocente morador que preferiu o sofrimento silencioso a entregar o jedi. Como era de se esperar, o jedi acabou levando a pior e morreu…
Essa cena foi o que me despertou a reflexão porque fiquei questionando o quanto somos altruístas em nossas ações e quantos problemas isso pode nos trazer. Tem uma frase engraçada usada pelo podcaster Azaghal que é “nenhuma boa ação fica sem punição”, a qual destaca o azar que muitas vezes surge após fazermos algo em prol de outra pessoa.
Quem nunca ajudou alguém e depois foi sacaneado por essa mesma pessoa; ou dedicou tempo para ajudar alguém e o seu dever ficou comprometido te prejudicando; ou a tolerância que você teve com alguém não foi correspondida quando foi você quem precisou dela. Esses são alguns exemplos de vezes em que, aparentemente, ser altruísta mais nos fez mal do que bem.
Porém, o exemplo dos jedis serve para nos mostrar que todo sacrifício vale a pena porque – tal como já defendia Auguste Comte – a ação altruísta não é para benefício nosso, mas benefício da humanidade.
Reflexão sobre Obi-Wan Kenobi: Altruísmo, Imortalidade e a Força
Mas qual a vantagem em beneficiar a humanidade e não a si mesmo? Auguste Comte dirá que a vida altruísta é a chave da imortalidade! Segundo o filósofo, quando vivemos uma vida altruísta, deixamos generosamente tudo de nós para os outros (tanto bens materiais quanto bens imateriais) e a consequência disso é que seremos lembrados para sempre, nos tornando imortais.
Por exemplo, uma série de pessoas são homenageadas com seus nomes creditando escolas, hospitais e outras construções porque foram significativas para aquelas regiões. Da mesma forma, nós costumamos lembrar e contar histórias de antepassados que foram bons para nós, e não os que foram maus.
Se trouxermos para o universo de Star Wars, podemos relacionar a noção de imortalidade comteana com a noção da Força. Para quem não lembra ou compreende, Força é uma energia viva que perpassa todos os seres e mantém a estabilidade cósmica.
Os jedi são sensíveis à Força e, por isso, possuem uma relação peculiar com a sociedade, a vida e toda a existência. Os jedis se compreendem parte de um todo e entendem que sua missão está em manter o equilíbrio em tudo. Por isso, todas as suas ações altruístas são ações de reequilíbrio. Se retornarmos ao exemplo do jedi na taverna, ele se revelou para parar a tortura e trazer novamente a paz e o sossego para aquela pessoa que começou a sofrer sem sentido.
Além disso, grandes mestres jedi, além de compreenderem que suas mortes físicas não significam algo ruim, também são capazes de manter viva suas consciências para além da vida de seus corpos; podendo, assim, ter contato com os vivos quando necessário.
Ou seja, viver o altruísmo na filosofia jedi também é uma compreensão de imortalidade porque os jedis entendem que tudo é um na Força.
Reflexão sobre Obi-Wan Kenobi: Lutando contra o Egoísmo
Mesmo que biologicamente seja mais fácil ser altruísta, Comte mostrou que a sociedade industrial de sua época (que hoje ainda é a nossa sociedade capitalista) prefere muito mais praticar atitudes egoístas. Ou seja, contrariando a nossa natureza biológica e social, preferimos agir de modo egoísta. E isso perdura até os dias de hoje.
É importante entender que todos estamos sujeitos a priorizar o egoísmo ao altruísmo. Na série, o nosso protagonista Obi-Wan por muito tempo viveu dessa forma, mesmo sem perceber.
Relembrando, Obi-Wan recebeu a missão de cuidar de Luke e assim ele ficou fazendo. Ele levou tão à risca essa missão que se recusou por várias vezes a ajudar pessoas que precisavam de ajuda para não se revelar. Porém, ao fazer isso, ele estava traindo seu código jedi e, provavelmente, foi isso que lhe distanciou da Força (no começo da série, Obi-Wan tinha “desaprendido” a usá-la).
Alguns podem pensar que Obi-Wan estava certo já que ele não podia estragar seu disfarce, mas me pareceu que isso serviu muito mais de conveniência para Obi-Wan. Devemos lembrar que Obi-Wan estava desgostoso por ter visto seu padawan (aprendiz) Anakin Skywalker (Hayden Christensen) se bandear para o lado sombrio da Força e ter precisado derrotá-lo.
Podemos dizer que Obi-Wan perdeu sua fé na humanidade e, consequentemente, sua vontade de ser altruísta. Sua decisão em viver uma vida eremita e discreta em Tatooine era mais uma decisão egoísta, em não querer mais se envolver com os problemas da galáxia, do que de fato cumprir uma missão.
Felizmente, tudo muda quando ele conhece a jovem Leia Organa. A pequena Leia, com seu jeitinho peculiar, lhe fez recuperar a fé na humanidade. Ele voltou a acreditar que eram possíveis dias melhores. Soma-se a isso, a compreensão de que ainda muitas pessoas estavam lutando nas sombras contra o Império, grupos esses que seriam a semente da Rebelião a qual, no futuro, de fato vencerá.
Mesmo voltando para sua missão principal, Obi-Wan volta outra pessoa. Ele volta sabendo que sua missão não é para si, mas para os outros.
Dessa forma, fica a reflexão que não podemos perder a esperança na humanidade, de que dias melhores virão, que compensa “fazer o bem sem olhar a quem”, que estamos contribuindo de alguma forma com a totalidade da vida, mesmo que de um modo pequeno e quase imperceptível.
A tentação do egoísmo é grande, mas não podemos esmorecer. Não é tão fácil ser altruísta quanto deveria ser, mas é preciso.
Conclusão
Comte vai dizer que o maior exemplo de vida altruísta está na família porque, a via de regra, seus membros se ajudam e se esforçam para tornar a vida do outro melhor. Se você teve bons exemplos de pais, se inspire nisso para perseverar. Se não foi seu caso, pense nos seus filhos (reais ou futuros) e como você iria querer fazer de tudo para a felicidade deles. Foi mais ou menos isso que ocorreu na relação entre Obi-Wan e Leia. Que consigamos viver no lado luminoso da Força!
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Até a próxima e tenham uma boa viagem!
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Referências
COMTE, Augusto. Calendario Pozitivista. Precedido de indicações summarias sobre a theoria pozitiva do calendario por R. Teixeira Mendes. São Paulo: 1889.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001
STEINER, Philippe. Altruísmo, dons e trocas simbólicas: abordagens sociológicas da troca. Tradução de Raquel de Almeida Prado e Lolita Sala. Revisão de Maria Chaves Jardim e Karen Arthur. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2016.