Uma Reflexão sobre O Guia do Mochileiro das Galáxias: A Provável Improbabilidade das Coisas
Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre o livro “O Guia do Mochileiro das Galáxias”. Esse livro é considerado uma obra prima do humor sarcástico e leitura obrigatória para um nerd. São várias as referências que conhecemos dele em diversos produtos da cultura nerd, como o robô Marvin, o peixe babel, o número 42 e, claro, a toalha! Como o próprio autor diz, a coleção completa é uma trilogia de cinco livros. Hoje, farei a reflexão apenas do primeiro volume. São diversos temas interessantes a serem trabalhados e irei apenas pegar alguns deles. Não tem como não dar spoilers dos trechos que irei trabalhar, mas isso não estraga a experiência de ler o livro (assim como não é preciso ler o livro antes de ler o artigo). Ao contrário, o artigo vai ajudar a saborear melhor as piadas do livro. Vamos lá!
Sobre o livro
O Guia do Mochileiro das Galáxias é um livro de humor sutil e sarcástico escrito por Douglas Adams. A piada não é jogada em você, você tem que “pegar a referência” para se divertir. Por isso, creio ser um livro que pode ser sempre relido, porque as nossas experiências de vida acabarão dando subsídios para entender as loucuras pelas quais passam os personagens. Chegou a ter um filme baseado na série, com foco especial no primeiro livro, mas não ficou tão legal. Boa parte do humor está nas descrições e em jogos de palavra do narrador, dificultando a transposição da mídia. Por isso, não recomendo o filme, mas sim o livro.
Já a história é simples e louca ao mesmo tempo. Arthur Dent é um humano normal e comum. Seria um dia comum se não fosse o fato de que sua casa estava prestes a ser demolida para se construir um desvio. Enquanto Arthur lutava para preservar a sua casa, chegou seu amigo Ford Prefect, que era um extraterrestre, avisando-o que eles tinham que ir embora da Terra, porque ela seria destruída em 12 minutos. O motivo? Iriam construir um desvio intergalático…
Ford e Arthur saem da Terra instantes antes de ela ser demolida e vão para o espaço, de penetra em uma nave espacial. Assim começam os improváveis e hilários acontecimentos. Em um determinado momento, a dupla irá se juntar a Zaphod Beeblebrox (o presidente do Governo Imperial Galáctico), Trillian (uma humana) e Marvin (um robô deprimido). Juntos, eles descobrem que são partes da grande questão sobre “A Vida, o Universo e tudo o mais”.
Uma Reflexão sobre O Guia do Mochileiro das Galáxias: A Nossa Ínfima Existência
A primeira grande zoação do livro é sobre a mediocridade de nossas existências comparadas com tudo o que existe. Arthur defendia a casa como se aquilo fosse muito importante, mas era só importante para ele, porque para as demais pessoas, o desvio era mais importante. A Terra era importante para os humanos, mas para as demais criaturas galácticas, o desvio era mais importante. Se pararmos para ver, nossa existência não significa muita coisa no decurso do universo. O termo filosófico para isso se chama “contingência”, que se refere àquilo que pode ou não existir, que não é necessário, essencial. Existe um vídeo muito interessante de uma palestra dada pelo filósofo brasileiro Sérgio Cortella em que ele demonstra que somos o “vice-treco do sub-troço”, ou, em outras palavras, nada relevantes.
A nossa existência é contingencial. Existimos e estamos aqui, nos preocupamos com nossas vidas, nos achamos importantes, somos apegados ao que temos, sendo que para a grande realidade de tudo, isso nada importa. O personagem Ford Prefect tentou alertar para alguns humanos que a Terra iria ser demolida, mas ninguém acreditou nele. Entretanto, quando ele deu uma alta soma de dinheiro para pagar uns poucos amendoins e disse para o atendente ficar com o troco, as pessoas pararam e começaram a ouvi-lo. Somos tão apegados aos bens materiais e achamos que isso é o certo a se fazer, que o desapego se torna uma forma de “chamar a atenção”. Provavelmente é por isso que muitos sábios e religiosos conseguem nos passar a ideia de sabedoria e santidade quando escolhem viver uma vida simples e desapegada, porque a sua mensagem deve ser importante para lhes fazerem não terem nada de supérfluo.
O filósofo existencialista Jean-Paul Sartre defendeu a ideia da falta de sentido da vida. Segundo ele, nós não escolhemos nascer, não pedimos isso. Essa falta de sentido nos trás uma sensação semelhante à náusea, ao enjoo. Mas já que estamos aqui, façamos valer verdadeiramente a pena. Para Sartre, se não existe sentido na vida, nós devemos dar um para ela. No caso, ele diz que não nascemos com uma missão a ser cumprida, com objetivos definidos. Ao contrário, é somente após a nossa existência que achamos um sentido para a nossa vida e vamos aperfeiçoando isso ao longo do tempo. Surge assim a sua célebre frase “a existência precede a essência”, ressaltando a importância da nossa individualidade. E cada um viveria segundo esse sentido, respeitando os demais sentidos da vida.
Uma Reflexão sobre O Guia do Mochileiro das Galáxias: A Grande Probabilidade de Tudo ser Improvável
Outra grande sacada de Douglas Adams é brincar com a questão da frequente improbabilidade das coisas acontecerem e mesmo assim acontecem. Pensemos, em termos de grandezas universais, é claro, de quão improvável é tudo. De ter surgindo a Via-láctea, o Sol, a Terra, a vida na Terra, os Seres Humanos e, por fim, você! Daí, pense em quão improvável são as coisas que acontecem na sua vida. Quem são seus pais, o lugar e época que nasceu, quem você conhece, o que acontece contigo… E ainda acham que ganhar na mega-sena é que é improvável…
Na história, existe uma nave chamada Coração de Ouro e sua fonte de força é o “gerador de improbabilidade infinita”. É óbvio que, resumidamente, ele foi criado do nada e de uma forma extremamente sem sentido (como tudo é na vida). Esse gerador servia basicamente para levar a nave de um lugar para outro, mas permitindo que ela pudesse de fato explorar todo o universo, porque, como já devem ter notado, somente de uma forma improvável é que se pode chegar a todos os rincões do universo.
Essa teoria da improbabilidade pode ser melhor explicada pela física quântica, que não é minha área (apesar da física quântica conseguir fazer umas perguntas e – pasmem – dar umas respostas tão loucas quantas as da filosofia). O que eu gostaria de aproximar da filosofia é a teoria dos céticos e sua certeza de que não existem certezas! Enfim… na Teoria do Conhecimento, quando se tenta responder à pergunta “é possível adquirir com conhecimento certo, garantido, inquestionável?” estamos falando do problema do alcance do conhecimento. Em outras palavras: até onde podemos conhecer? Como garantir a certeza de um conhecimento?
Os céticos são o grupo de filósofos que defendem a impossibilidade de se ter certeza sobre qualquer conhecimento adquirido. Para eles, tudo o que sabemos é apenas uma parte da verdade e, por isso, não seria certo dizer que conhecemos algo de fato. Dessa forma, não haveriam verdades absolutas, sendo tudo relativo. O ceticismo surgiu no período helênico com Pirro de Élida (365/360-275/270 a.C). Por ter viajado em campanha militar por muitas regiões, teve contato com diferentes culturas e viu que cada uma delas tinha respostas diferentes, mas plausíveis para os mesmos problemas. Isso fez com que ele desconfiasse se realmente existe uma explicação certa, conclusiva sobre as coisas, ou tudo não passa de interpretação. Para os céticos helênicos, o ser humano deve buscar a felicidade e, para isso, deixar de se preocupar com a busca pela verdade, porque ela não existiria. Segundo eles, nós ficamos irritados, estressados, inconformados por não saber das coisas e isso tira a nossa tranquilidade. Dessa forma, o melhor seria viver a epokhé, a suspensão de juízo. Explicando: diante de uma situação em que se apresentam mais de uma resposta plausível, o melhor é não se preocupar com isso…
Dessa forma, seguindo esse pensamento, podemos entender que é provável que tudo seja improvável. Não temos controle sobre nada o que acontece ao nosso redor. Todo o conhecimento que dizemos que adquirimos e que servem para tentar manipular ou controlar as forças e os elementos do universo não são garantias de sucesso. Até mesmo aquilo que achamos que estamos fazendo de forma correta pode na verdade estar incorreto gerando um problema que irá se refletir de alguma forma em algum lugar e/ou em um determinado tempo. Quantas vezes a humanidade já não mudou sua forma de pensar, já não se arrependeu do que fez e já não tentou consertar as besteiras que cometeu? Isso só mostra o quão provável é de estarmos errados em nossas ações e que, consequentemente, é improvável que acertaremos. Mas, é claro, isso não nos impede de continuar tentando!
Uma Reflexão sobre O Guia do Mochileiro das Galáxias: Conclusão?
Tenho consciência que nem arranhei as diversas questões levantadas no livro “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, mas acho que já temos um bom material inicial para começarmos a refletir inspirados por esse divertidíssimo livro. Inspirado por suas teorias é provável que exista uma continuação desse artigo, que poderá ser futuramente acessada por esse link aqui. Como tudo em nossa vida é improvável, não posso garantir que irei fazê-lo (muito menos quando). Mas como não passamos de “vice-treco do sub-troço”, se eu não fizer, eu sei que você sobreviverá, irá me perdoar e continuará lendo os demais artigos do blog!
E aí? Gostou do artigo? Deixa nos comentários as outras partes que você gosta desse livro (ou dos outros)! Se divertiu? Então compartilha esse artigo para divertir outras pessoas! Quer discutir alguma das suas teorias sobre o livro ou sugerir outros trechos para serem comentados no próximo artigo? Entra em contato comigo!
Até a próxima e tenham uma boa viagem! E obrigado pelos peixes…