Olá, marujos! Hoje faremos uma reflexão sobre The Prom (A Festa de Formatura), novo filme musical da Netflix. A história fala sobre um menina lésbica que quer ir ao seu baile de formatura com a namorada, mas a comunidade escolar conservadora é contra. Para apoiá-la, ela conta com um grupo de atores da Broadway que precisam defender uma causa nobre para provarem para si mesmos e para o mídia que não são egoístas. A reflexão irá focar nas duas músicas que me chamaram mais atenção: uma sobre o função social dos musicais e outra sobre a seletividade que as pessoas fazem da Bíblia. Já adianto que não teremos spoilers dos acontecimentos do filme, então podem ler despreocupadamente. Vamos lá!
Sobre The Prom (SEM SPOILERS)
The Prom, que recebeu o nome nacional de A Festa de Formatura é um filme musical da Netflix que estreou em 2020, baseado no musical da Broadway homônimo.
O filme começa com a associação de pais e professores dos alunos da escola Edgewater High School votando pelo cancelamento do baile de formatura daquele ano porque Emma Nolan (Jo Ellen Pellman), uma aluna lésbica, queria levar a sua namorada como acompanhante. O motivo seria o desacordo com os costumes locais, pois a cidade é extremamente conservadora.
Ao mesmo tempo, conhecemos quatro atores da Broadway: Dee Dee Allen (Meryl Streep), uma atriz narcisista premiada duas vezes com o Tony (o Oscar dos musicais) que está com sua carreira afundando; Barry Glickman (James Corden), um ator gay também narcisista que recebeu muitas críticas pela sua última atuação; Angie Dickinson (Nicole Kidman), uma atriz de coro que sonha conseguir o papel principal; e Trent Oliver (Andrew Rannells), um ator que se formou na renomada escola de artes Julliard mas nunca conseguiu um grande papel.
Os quatro atores são frustrados, cada um com seus motivos. Eles acreditam que precisam melhorar sua imagem com a mídia e o público para serem mais reconhecidos. Por isso, decidem procurar uma causa para apoiarem. Sabendo que não conseguiriam dar conta de algo muito grande, acabam descobrindo o caso de Emma Nolan no Twitter e decidem ir até a cidade dela e lutar pela sua causa.
Como podem perceber, a motivação inicial dos atores é egoísta. Porém, ao conhecerem Emma e tomarem ciência da situação, eles abraçam verdadeiramente a causa e, cada um do seu jeito, vai tentando ajudar Emma a ter o seu sonhado baile com a mulher que ama.
Será que eles conseguirão mudar a forma de pensar de uma cidade toda? Só vendo para descobrir…
Reflexão sobre The Prom: O Papel dos Musicais na Sociedade
Na música We Look to You, o diretor Hawkins (Keegan-Michael Key) canta para Dee Dee Allen a importância dos musicais para ele (e, de modo geral, para todas as pessoas). Seu objetivo é convencer Dee Dee que sua profissão tem algum valor, já que ela estava desmotivada, achando que aquilo que ela fazia não tinha nenhum valor social.
Eu sou um grande fã de musicais, mas conheço muitas pessoas que acham eles sem graça e até sem sentido, já que na vida real ninguém sai cantando e dançado por qualquer motivo. Na música em questão, Hawkins brinca com esse fato quando diz:
Precisamos de um lugar para onde correr
Quando tudo dá errado
Quando a resposta para cada problema
É explodir em uma música
E regras simples de lógica simplesmente não se aplicam
Quando as pessoas dançam em uníssono
E ninguém se pergunta por quê
Você faz isso soar tão bonito
Ou seja, a estranheza dos musicais é exatamente o que os fazem ser importantes. Eles nos tiram da realidade sofrida, dos problemas cotidianos, para nos colocar em um novo universo em que as regras do nosso mundo não funcionam iguais. O fato de ser um novo universo nos traz o prazer de curtir despreocupadamente aquele momento e esquecer o que está de errado em nossas vidas. Como também canta Hawkins, os musicais servem como fuga que cura nossas almas dos sofrimentos do dia a dia.
Outro ponto a se considerar, que não se restringe só aos musicais, mas também ao teatro tradicional, filmes e séries é o poder catártico que elas possuem.
O conceito de catarse, segundo Aristóteles, é o poder que a arte de imitação da vida possui de nos fazer sentir sentimentos e viver situações que não conseguiríamos sentir e viver em nossas vidas.
Essa purificação (o significado do termo grego kátharsis) serve para experimentarmos algo que seria impossível de vivermos e poder “sentir na pele”, através dos personagens, aquilo que uma pessoa naquela situação sente. No fundo, é uma forma de ter empatia com aquela situação.
No caso desse filme, podemos “sentir na pele” o que é ser homossexual e excluído, o que é ser um artista talentoso e mesmo assim não reconhecido, o que é viver diariamente uma vida burocrática e precisar de algo para escapar dessa vida chata.
Cada peça, filme e série traz para nós essas experiências únicas com as quais podemos nos identificar e também entender o que é viver aquele tipo de situação. O papel social dessas produções é nos dar a oportunidade de viver aquilo que não conseguiríamos viver, seja bom ou ruim, feliz ou triste, certo ou errado, prazeroso ou doloroso. É a chance que temos de “sermos” outras pessoas por algumas horas.
Reflexão sobre The Prom: Quantas Bíblias existem?
A outra canção que me chamou a atenção foi Love Thy Neighbor. A situação era o ator Trent Oliver tentando convencer alguns alunos a aceitarem a homossexualidade de Emma.
Ele mostra, de uma forma bem cômica, que nossas escolhas de certo e errado são muito seletivas e convenientes.
Aproveitando o conservadorismo religioso dos alunos, ele diz que a Bíblia possui uma série de mandamentos e normas de conduta que as pessoas não respeitam:
Kaylee tem uma pequena tatuagem
Essa tatuagem seria um tabu
Kaylee adivinha o que espera por você
Uma eternidade nos poços de fogo do inferno
[…]
Shelby, você parece doce para mim
Mas se vier a ser
Você perdeu sua virgindade
Nós estaremos apedrejando você e sua família também
[…]
Quer dizer que seus pais são divorciados?
Oh, o divórcio é um grande não-não
Não simplificando demais
Mas a escritura não implica
Que sua mãe terá que morrer
Como será se ela não tem planos?
Em outras palavras, o que ele diz é: as pessoas interpretam a Bíblia como elas bem entendem. Valorizam algumas partes e ignoram outras. Seguem à risca algumas normas, criticando quem não as seguem, mas fazem vista grossa para outras, especialmente àquelas as quais eles não cumprem.
A letra deixa claro:
Você não pode escolher o que quer na bíblia
Selecionando qual parte você quer acreditar
[…]
Não tem como separar
Quais regras você pode violar
Mas a letra não é fundamentalmente uma crítica. A letra é um alerta e um apelo. Porque o refrão, a parte mais importante da canção, é:
Quando você está perdido, sempre ajuda recordar
Aquelas palavras imortais que Jesus disse
Há uma regra que supera todas elas
Ame seu vizinho
Ame seu vizinho
Ame seu vizinho supera todas elas
Ame seu vizinho
Ame seu vizinho
Ame seu vizinho supera todas elas
A letra faz uma alusão ao mandamento que Jesus deu aos seus discípulos de amar ao próximo como a si mesmo ou, mais forte ainda, como Ele nos amou. Ou seja, por mais que uma pessoa não viva de acordo com aquilo que você acredita ser o melhor para a vida dela, isso não significa que ela deixou de ser um ser humano e não mereça amor e compreensão. Uma fala que sempre ouvi na igreja é “Jesus odeia o pecado, e não o pecador”.
Sendo assim, temos que parar de ficar julgando e condenando as pessoas que não agem como agimos, que não seguem os preceitos que seguimos, que não são, em última instância, iguais a nós. Eu compreendo perfeitamente que quem tem uma religião acredita que aquele modo de vida é o melhor e que essa pessoa gostaria que todos tivessem uma vida melhor. Ninguém quer converter ninguém porque é divertido, é porque o conversor acredita que está fazendo um favor ao convertido.
Conduto, nem todos querem seguir uma religião, uma corrente ideológica, um pensamento filosófico. E isso não deveria ser motivo de briga, mas sim de diálogo. Lembrem quantas famílias e amizades não se destroem por divergências religiosas, políticas e/ou ideológicas. Isso é triste. O amor entre essas pessoas deveria ser maior que o amor / apego a um certo pensamento.
Entendam: não estou falando que alguém precisa abrir mão do que acredita. Não! O que defendo é que você pare de querer impor uma certa crença como condição de convivência com um certa pessoa. Não seguir o que você segue, não acreditar no que você acredita não pode ser motivo para romper laços ou te dar permissão para fazer de tudo para que ela sofra.
Porque é isso que a maior parte da cidade fez com Emma: não deixou ela ser quem ela é. Condenou sua atitude e a excluiu do círculo social. Isso não está certo.
Conclusão
The Prom é um filme musical muito divertido e leve. Com essas duas características, ele consegue trazer reflexões interessantes para todos nós. Ele serve muito bem para se ver em família e levantar certas conversas sobre aceitação, respeito, amizade e família acima de crenças e valores. Com isso, vemos o poder da “arte de imitação da vida” (teatro, filmes e séries) em ajudar a nossa sociedade a experimentar coisas que nunca conseguiria experimentar, e poder sentir aquilo que os outros sentem.
Aprofundando o assunto:
Quem quiser ver ou rever o filme, ele está disponível na Netflix: The Prom (A Festa de Formatura).
Quem quiser aprender mais sobre o conceito de catarse de Aristóteles, recomendo:
Sobre a arte poética (Aristóteles)
A catarse em Aristóteles (António Freire)
E aí? O que mais lhe chamou atenção no filme? Deixa aí nos comentários dessa reflexão sobre The Prom! Conhece algum fã de musicais ou que precisa ser mais tolerante? Compartilha essa reflexão sobre The Prom com ele! Quer sugerir outros musicais para reflexão? Entra em contato comigo.
Até a próxima e tenham uma boa viagem!