Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre a série Demolidor. Nela, acompanhamos Matt Murdock criando o herói Demolidor para lidar à noite com os crimes que ele não consegue resolver enquanto advogado de dia. Na reflexão, abordo perspectivas sobre o modo como lidamos com as falhas da justiça e os limites do aceitável. Teremos spoilers na segunda parte da reflexão. Vamos lá!
Sobre a Série (SEM Spoilers)
Demolidor era uma série original da Netflix que acabou indo para a Disney+. Ela contém três temporadas, entre 2015 e 2018. Devido ao sucesso do elenco em suas interpretações, a Marvel decidiu manter a trama em uma quarta temporada “espiritual” chamada Demolidor: Renascido.
Matt Murdock (Charlie Cox) é um advogado recém-formado que ficou cego quando criança. Ele aprendeu artes marciais e tem todos os seus outros sentidos aguçados, mas não exibe isso para as pessoas (nem seus amigos).
Ele abre um escritório simples com seu amigo Franklin “Foggy” Nelson (Elden Henson) e logo pegam um caso complicado, que envolve uma rede de crimes complexa de Nova York.
Depois de perceber que nem sempre a justiça legal funciona, Matt decide criar um alter ego que ficou conhecido nas manchetes como Demolidor, o demônio de Hell’s Kitchen. Matt só tem uma regra: não matar os criminosos.
Ao longo dos meses, as coisas vão ficando cada vez mais complexas e perigosas tanto para o Matt advogado quanto para o Matt herói porque ele e seus amigos estão se aproximando de Wilson Fisk, o Rei do Crime (Vincent D’Onofrio).
Será que Matt conseguirá equilibrar suas duas personas? Será que ele conseguirá fazer justiça? Descubra vendo Demolidor na Disney+.
Se quiser conhecer mais histórias do personagem, segue sugestão de quadrinhos: Demolidor: Edição Definitiva Vol. 1, Demolidor (2024) Vol. 1, Demolidor: pai (Marvel Essenciais), Demolidor: Caindo em Desgraça (Marvel Essenciais).
Reflexão sobre Demolidor: Justiça com as Próprias Mãos
Na primeira temporada, Matt escolheu criar o Demolidor para lidar com o crime com as próprias mãos. Como advogado, ele conhecia bem a justiça, especialmente a sua corrupção.
Por muitas vezes, Matt e Foggy vivenciaram situações em que eles tinham tudo para condenar o acusado ou absolver o inocente, mas não conseguiram por causa da corrupção. Outras vezes, eles tinham certeza, mas não tinham provas; ou tinham provas não aceitas pela justiça. E, nesses casos, viam novamente seus casos arruinarem.
O Demolidor era alguém que não precisava seguir o devido processo legal. Ele podia intimidar capangas com violência, podia invadir locais sem autorização, podia expor situações sem ter que prestar contas a ninguém. Era a “liberdade” da máscara.
Matt considerava que o Demolidor servia como complemento ao seu eu advogado. Aquilo que o Matt advogado não podia resolver, o Matt Demolidor resolvia. Seu princípio cristão de não matar servia como bússola moral para o limite das suas intervenções.
Sendo o único herói em Hell’s Kitchen, ele tinha toda a população necessitada o apoiando, especialmente os mais pobres que eram desprezados pela justiça formal por vários motivos.
Podemos dizer que ele abraçou a ética utilitarista porque considera que o valor moral das suas ações está nas consequências delas. Ou seja, não seria errado bater em alguém ou invadir uma propriedade privada se o resultado fosse trazer à tona crimes e criminosos que dificilmente seriam pegos sem essa intervenção.
Contudo, é importante entender os limites positivos das ações de Matt. Ao tomar essas atitudes, Matt assume os papéis de legislador, juiz e executor simultaneamente; ele se coloca acima ou paralelo às leis e ignora, em certa medida, aquilo mesmo que ele prometeu defender.
Para contornar esse dilema, Matt sempre termina o serviço deixando os criminosos para a polícia e os crimes para a justiça cuidar. Mesmo assim, não podemos ignorar o fato de que ele age sem seguir as leis instituídas pelo povo.
Se ele considera válido agir assim, o que impediria outros de agirem igualmente? E se ele errar em seu julgamento ou perder o controle, ele vai se entregar também ou terá uma “desculpa”?
Por mais que as leis possam parecer permissivas demais e a justiça pareça morosa demais, o chamado “devido processo legal” busca, em teoria, ser o mais honesto e justo possível para não cometer erros.
O problema é que, muitas vezes, as leis não são cumpridas como deveriam e a justiça está corrompida. Nessa hora, as pessoas perdem a credibilidade na justiça e aceitam quem faça justiça com as próprias mãos.
É por isso que é difícil condenar as atitudes do Demolidor e até de outros heróis, mesmo sabendo que eles não estão seguindo as leis instituídas. Aceitamos porque confiamos no julgamento individual dessas pessoas, em suas boas intenções e na crença de que seus atos trarão mais benefícios que malefícios ao povo.
Reflexão sobre Demolidor: Bandido Bom é Bandido Morto!?
Na segunda temporada, temos uma reviravolta ética na vida de Matt. Ele pega um caso que lhe colocará de frente com um novo personagem de Hell’s Kitchen: o Justiceiro.
Frank Castle (Jon Bernthal) teve sua família morta em uma operação comercial malsucedida de criminosos e resolve fazer justiça com as próprias mãos. Porém, seu método é bem diferente daquele usado pelo Demolidor: o Justiceiro mata sem dó nem piedade.
É óbvio que Matt, revestido da sua couraça de homem justo, irá criticar e combater esse “abuso” feito por Castle. Contudo, ele se verá muitas vezes em conflito quando perceber que, em certa medida, Frank possui razão. Especialmente quando o Rei do Crime escapar da prisão graças a um esquema corrupto bem armado.
Aqui, novamente voltamos para o problema em se considerar o baluarte dos valores morais: se você considera que pode burlar a lei, porque as demais pessoas não podem pensar a mesma coisa?
O Justiceiro, como esperado, ganhou a simpatia do povo. Nada mais satisfatório do que saber que criminosos estão sendo mortos. Menos um para fazer mal aos outros, sem riscos de ele voltar para o crime e sem gastos com ele na cadeia. Só “vantagens”.
Esse pensamento de que “bandido bom é bandido morto” é muito simplista e é exatamente por isso que funciona. Supostamente, essa prática resolve logo o problema. A questão toda é que nesse julgamento das ruas, além de não se ter o processo legal, também não se tem o mínimo de confiança na mudança das pessoas.
Sobre o processo legal, já foi falado um pouco disso no tópico anterior. Mas aqui, reforço a questão dos erros de julgamento. Até mesmo quando a pena de morte é legal, volta e meia vemos casos de erros em condenações.
Mesmo assim, o maior problema no pensamento punitivo imediato são as mortes cometidas no ato de abordagem: é o direito do policial matar o bandido. Nesse caso, precisamos lembrar as várias situações em que inocentes são mortos em fogo cruzado, bala perdida ou confundidos com criminosos. São vidas que não poderão ser recuperadas. Será que vale a pena o sacrifício? Quem diz que sim é porque nunca teve alguém próximo morto ou ferido em uma situação dessas!
Outro ponto que todos ignoram é a chance de mudar. Eu sei que é difícil acreditar que um “bandido” mude, mas qual seria a definição de bandido ou qual o limite do seu crime para não merecer segunda chance? Por exemplo, um aluno que cola em um prova merece ser expulso ou impedido de estudar pelo resto da vida? Uma pessoa que trai em uma relação merece viver sozinha o resto da vida? Alguém que sonega um imposto de importação ou não devolve um troco errado merece viver como mendigo o resto da vida?
Provavelmente, vocês pensarão que não é esse tipo de bandido que estamos falando, mas, na prática, todos acima cometeram atos ilícitos. E mesmo casos graves como assassinato ou estupro, por exemplo, não são a maioria dos culpados que se enquadrariam em potenciais assassinos ou estupradores seriais. Geralmente, quem comete crimes hediondos o fazem uma vez só e não possuem a intenção de fazer mais vezes. O fizeram pelas circunstâncias erradas, mas não pretendem fazer novamente.
Claro que podemos discutir a pena de morte para quem comete esses crimes repetidas vezes, mas não é o caso nesse momento. A discussão aqui é o critério para “matar o bandido” imediatamente.
Além disso, normalmente, quando pensamos esses casos, estamos pensando em traficantes e ladrões, criminosos que merecem sim punição. Mas a morte? Para mim, tem gente muito pior nem sendo perseguida: políticos que desviam verba pública, empresários que burlam legislações, agropecuários que destroem a natureza, agressores de mulheres etc. Crimes que também fazem mal a sociedade e nem por isso vemos o pedido de pena de morte para eles.
O Justiceiro matou muitas pessoas. A maioria culpados de seus crimes. Mas merecedores de pena de morte? E as pessoas inocentes que ele machucou enquanto buscava os criminosos que ele queria punir? Precisamos sempre olhar para o todo em vez de apenas a parte.
Matt questionou Castle pelos seus métodos, mas não podia questioná-lo por ter escolhido a justiça com as próprias mãos. O problema é que cada um deles considerava que a justiça deveria ser executada de um jeito.
Da mesma forma, se em nossa sociedade deixássemos cada um fazer justiça do seu jeito e punir quem achasse merecedor de pena, dificilmente alguém sairia ileso…
Reflexão sobre Demolidor: Conclusão
Ao final dessa reflexão sobre Demolidor, preciso deixar claro que, em nenhum momento, estou defendendo criminoso. Mas também não acho que a solução é a justiça individual. O caminho é a correção e mudança do sistema político e judiciário, para que ele se torne mais eficiente, justo e honesto. Para isso, precisamos de mais pessoas eficientes, justas e honestas nesses postos e que pessoas eficientes, justas e honestas votem e apoiem quem é assim. É uma mudança lenta e difícil, mas que trará mais benefícios a longo prazo se for de fato efetivada.
E aí? Curtiu essa reflexão sobre Demolidor? Compartilha! Tem algo a acrescentar a essa reflexão sobre Demolidor? Comenta! Quer uma reflexão sobre outra série ex-Netflix da Marvel? Entra em contato!
Até a próxima e tenham uma boa viagem!
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