Olá, marujos! Hoje, explicarei o conceito de conceito segundo Gilles Deleuze e Félix Guattari de um jeito descomplicado. Após breve apresentação dos filósofos, mostrarei o que não é e o que é filosofia para eles. Depois, vou esmiuçar o que ambos consideram ser um conceito. Para isso, explorarei outros conceitos relacionados ao tema, como problema, plano de imanência e personagem conceitual. Vamos lá!
Sobre os Filósofos
Gilles Deleuze
Gilles Deleuze nasceu em 18 de janeiro de 1925 na cidade de Paris, França. Passou sua vida acadêmica e profissional nas universidades francesas, atuando como professor. Começou como professor de história da filosofia e, depois, ministrou diversos cursos. Era amigo de Michel Foucault. Conheceu Félix Guattari em 1968 e, com ele, escreveu diversos livros. Em 4 de novembro de 1995, ele se suicidou, jogando-se da janela de seu apartamento em Paris. Provavelmente, não aguentou o fato de não conseguir mais trabalhar porque dependia permanentemente de aparelhos para respirar após um câncer que teve.
Félix Guattari
Félix Guattari nasceu em 30 de abril de 1930 na cidade de Villeneuve-les-Sablons, França. Tinha como principal formação a psiquiatria e principal local de trabalho a Clínica de La Borde (local em que se experimentavam novos e revolucionários tratamentos psiquiátricos). Era de orientação lacaniana, mas buscou voltar às origens psicanalíticas freudianas depois de conhecer Gilles Deleuze. Foi um grande ativista de esquerda-radical, envolvido em grandes movimentos ao redor do mundo. Morreu enquanto clinicava de ataque cardíaco em 29 de agosto de 1992 na cidade de Cour-Cheverny, França (onde ficava a Clínica de La Borde).
Conceito Descomplicado: O que é Filosofia?
Antes de explicar o que é um conceito, é importante entender o motivo de Deleuze e Guattari terem se preocupado em definir filosoficamente o que é um conceito.
Todo o questionamento começou com ambos os filósofos refletindo o que eles faziam, ou seja, o que significava “fazer filosofia”. Foi a partir desse questionamento que eles decidiram deixar claro o que não é filosofia e o que era filosofia.
O que NÃO é Filosofia
Segundo os autores, existem três noções normalmente atribuídas à filosofia que, na verdade, não são filosofia: contemplação, reflexão e comunicação.
Filosofia não é contemplação porque contemplação pressupõe observar algo de forma desinteressada, como se o filósofo olhasse o mundo e apenas admirasse o que ele estava vendo sem interferir no seu percurso. Ao contrário disso, filosofia seria uma atividade interessada, ou seja, o filósofo olha para a vida querendo extrair respostas dela.
Filosofia não é reflexão porque o ato de refletir pode ser feito por qualquer pessoa independentemente de ela ser um filósofo ou conhecer teorias filosóficas. Qualquer pessoa pode, se assim desejar, refletir sobre um filme ou sobre política sem que ela seja da área da filosofia ou conheça filosofia. Logo, não dá para atribuir como aquilo que é a essência da filosofia algo que pode ser feito sem ela mesma.
Filosofia não é comunicação porque, segundo os autores, os filósofos não exigem que suas ideias sejam compreendidas ou aceitas por todas as pessoas. As ideias filosóficas continuariam válidas independentemente se outras pessoas concordassem ou não com elas. Sendo assim, é possível fazer filosofia de forma isolada e incomunicável, criando sua tese de forma reclusa e ainda assim seria filosofia.
O que É Filosofia
Tirado da frente tudo aquilo que poderia se confundir com o que seria a filosofia, Deleuze e Guattari afirmarão que filosofia é: criar conceitos.
A partir dessa resposta “simples”, eles irão explicar o que é um conceito.
Conceito Descomplicado: O que é um Conceito
Ele é algo complexo: conceito é uma explicação completa e complexa que o filósofo dá para solucionar um problema com o qual ele se deparou.
Ele é fabricado, criado: os conceitos não existem prontos, sendo o filósofo um coletor ou descobridor deles. Os conceitos são fabricados, moldados, criados pelo filósofo para se adequarem ao momento vivido e ao problema a ser respondido.
Ele é múltiplo: os conceitos filosóficos nunca aparecem sozinhos porque ele é formado de vários termos e expressões que por si só já são de certa forma conceitos. Logo, um grande conceito filosófico abarca um conjunto de conceitos que se interconectam.
Ele é histórico: os conceitos são feitos para responderem problemas específicos de um momento histórico. Sendo assim, mudando a situação, os acontecimentos, muda-se o conceito. Porém, isso não quer dizer que os conceitos ficam obsoletos.
Ele é disforme: os conceitos filosóficos, por mais que alguns possam tentar, nunca possuem uma forma fechada e acabada. Eles sempre possuem “pontas soltas” ou explicações mais ou menos desenvolvidas porque são vivos e precisam se moldar ao momento. Por causa disso, o filósofo pode optar por não responder totalmente uma questão que não é importante para o problema em si que ele está resolvendo. Da mesma forma, o filósofo pode revisitar seu conceito e mudar algumas definições feitas porque sentiu que precisam ser melhoradas.
Ele é único e exclusivo: um conceito é uma criação de um filósofo para responder um problema. Sendo assim, não cabe a discussão se o conceito X é melhor que o Y. Ambos são respostas válidas aos problemas que eles se propuseram responder.
Ele é absoluto e relativo ao mesmo tempo: um conceito filosófico se fecha em si mesmo (ou seja, quando “acabado”, ele responde ao problema do filósofo). Por outro lado, ele também se relaciona com outros problemas daquele mesmo filósofo ou com outros conceitos dados para o problema ao qual ele se propunha a responder. Por exemplo, o racionalismo e o empirismo foram duas correntes filosóficas opostas que buscaram responder qual a origem do conhecimento. Cada filósofo de uma dessas correntes tinha a sua resposta/seu conceito, mas essa resposta/esse conceito dialogava tanto com as respostas/os conceitos da sua mesma corrente como dialogava com as correntes opostas.
Ele não é a verdade: é importante entender que, para Deleuze e Guattari, um conceito não é sinônimo de verdade, como se a reposta que ele alcança é definitiva e inquestionável. Para esses filósofos, um conceito sempre está aberto a mudanças e questionamentos, podendo ser sempre recriado, reinventado.
Conceito Descomplicado: O Problema
Porque se criam conceitos? Para resolver problemas!
Problemas são situações, questionamentos, perguntas existenciais com os quais o filósofo se depara durante seus estudos. Para dar uma resposta a esses problemas, o filósofo cria um conceito.
O conceito funciona como uma ferramenta, um utensilio, uma solução para o problema encontrado pelo filósofo.
Não existe conceito sem problema porque a função, a necessidade do conceito é resolver esses problemas.
Se pararmos para pensar, existem grandes perguntas existenciais, normalmente chamadas de perguntas filosóficas, que estão conosco a séculos: quem sou eu? O que existe depois da morte? Deus existe? O que é a verdade? Como devo agir corretamente? O que é a beleza? Como eu sei que sei alguma coisa? O mundo é real ou um delírio da minha cabeça?
Em cada momento histórico, filósofos buscaram dar respostas para essas perguntas e criaram os conceitos filosóficos que conhecemos. Porém, os conceitos nunca são respostas definitivas porque mudanças de época e de lugar mudam compreensões sobre a própria vida, o mundo, o ser humano e tudo o mais. Havendo essas mudanças, novos filósofos surgem para dar novas respostas às mesmas perguntas ou novas perguntas que venham a surgir.
Por isso que é comum vermos filósofos retomando conceitos antigos, mas modificando-os ou questionando-os. Porque, de algum modo, o problema agora se apresenta de outro jeito e, dessa forma, precisa de outra resposta, outro conceito.
Isso também não quer dizer que um conceito antigo deve ficar na antiguidade e perde sua função ou sentido. Como dito anteriormente, os problemas mudam de roupagem, mas sempre são essencialmente os mesmos. Em uma linguagem filosófica, são imanentes. Logo, ainda faz sentido pensar, usar, reaproveitar conceitos do passado para as questões filosóficas presentes.
Conceito Descomplicado: O Plano de Imanência
O plano de imanência seria o “ambiente” onde habitam os conceitos.
Podemos dizer que ele corresponde ao contexto geral em que o conceito é criado.
O plano de imanência é anterior ao conceito ao mesmo tempo que surge com ele. Deleuze e Guattari dirão que o plano de imanência é pré-filosófico porque ele existe sem os conceitos. Ao mesmo tempo, dirão que fazer filosofia também é instaurar o plano de imanência, que é esse contorno ambiental-contextual onde os conceitos irão permanecer.
O plano de imanência é importante porque o conceito precisa utilizar elementos que pertencem ao plano de imanência, ou seja, ao contexto geral em que o conceito é criado. É por isso que é válida uma filosofia cristã medieval, porque aquele contexto permitia a utilização de elementos bíblicos e metafísicos para criar conceitos que resolveriam os problemas daquela época.
Conceito Descomplicado: Personagem Conceitual
O personagem conceitual é o filósofo, aquele que cria o conceito e o faz funcionar.
O personagem conceitual é essencial porque ele dá a vida ao conceito imprimindo sua personalidade, sua vivência, sua percepção sobre aquele tema.
O personagem conceitual faz parte da própria compreensão do conceito porque, ao buscar compreender o conceito, você faz referência ao pensamento geral daquele filósofo, sua época e lugar, sendo algo indissociável.
Além disso, como alguns conceitos podem utilizar nomes parecidos ou pertencerem a mesmas correntes, a “paternidade” do conceito é importante para distingui-los.
Conceito Descomplicado: Relação com a Ciência e a Arte
O conceito é algo exclusivo da filosofia. Só a filosofia cria conceitos.
A ciência cria funções e proposições. Funções são limites que a ciência cria para compreender a realidade. E proposições são formas de descrever o estado das coisas, como elas se apresentam no aqui e agora. Em outras palavras a ciência busca estabelecer pontos fixos para estudar a realidade e conseguir compreendê-la.
Já a arte cria afectos e perceptos. Afectos são uma espécie de força que desperta potências na pessoa além da sua compreensão (é aquilo que ocorre quando dizemos que tal obra de arte “nos tocou, mexeu com a gente”). Já os perceptos é aquilo que faz uma obra de arte transmitir sensações nas pessoas que a admiram (ou seja, provoca algo em alguém que não estava diretamente ligada à criação daquela obra) e continuar transmitindo essas sensações nas pessoas ao longo do tempo.
Pode existir confusão entre o que é ou o que faz a ciência, a arte e a filosofia porque todas essas formas de pensar do ser humano são consideradas “caoides” por Deleuze e Guattari: ou seja, são modos de o ser humano penetrar no caos, no infinito e trazer uma certa ordem para ele.
Se não fossem a ciência, a arte e a filosofia, o ser humano não conseguiria compreender a vida, o mundo, a realidade. Cada uma, ao seu modo, busca colocar algum tipo de limitação nesse caos, dando ordem e explicação para ele.
Conceito Descomplicado: Conclusão
Como um ótimo exemplo para compreender tudo o que foi falado até aqui, podemos usar o próprio livro O que é a filosofia? de Deleuze e Guattari. Ambos criaram o conceito de conceito para explicar o que é filosofia. Deleuze e Guattari são os personagens conceituais; o plano de imanência é o contexto de vivência dos autores (que diziam estar já velhos, chegando ao fim de suas carreiras), a sua época, as questões sociais e filosóficas daquele momento na França e no mundo; o problema é compreender o que é a filosofia; e o conceito é a definição de filosofia como criadora de conceitos. E, como vimos, foi preciso um livro, muitas explicações, muitas relações com outros conceitos que já existiam e também com novos que eles criaram para chegar na resposta completa.
E aí? Gostou dessa explicação descomplicada sobre Conceito? Compartilha! Quer um artigo descomplicado sobre outra teoria de Deleuze e Guattari? Entra em contato comigo dizendo qual gostaria de ver aqui! Alguma parte ficou confusa ou gostaria de complementar a explicação? Comenta!
Até a próxima e tenham uma boa viagem!
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Referências
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2016.
BRANDÃO, Elenilda Alves. Uma abordagem do conceito de filosofia na obra O que é filosofia de Gilles Deleuze e Felix Guattari. In: Revista Espaço Acadêmico. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, n. 195 – Agosto/2017 – mensal.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia?. Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Munoz. São Paulo: Editora 34, 2010 (Coleção TRANS).
SÍLVIO, Ildeu da Cruz. Filosofia: criação de conceitos e planos de imanência. In: Pensamento Extemporâneo. Acessado em 13 mai. 2024.
TRINDADE, Rafael. Deleuze – o que é ciência?. In: Razão Inadequada. Acessado em 18 mai. 2024.
_________. Deleuze – O que é um conceito?. In: Razão Inadequada. Acessado em 13 mai. 2024.
WIKIPÉDIA. Verbetes Félix Guattari e Gilles Deleuze.