Olá, marujos! Hoje vamos fazer uma reflexão sobre Dark, a série sensação de ficção científica da Netflix. Essa série, através de acontecimentos misteriosos e complexos, faz uma intenso debate com relação às atitudes das pessoas, se elas possuem liberdade nas suas ações ou tudo já está determinado. Será sobre isso que refletiremos nesse artigo, trazendo o suporte da filosofia para entender todas as possibilidades de ação dos personagens. Teremos spoilers da série, inclusive do final. Se você gosta de surpresa, veja a série antes. Se não liga para isso, pode ler o artigo agora. Vamos lá!
Sobre Dark
Dark é uma série alemã da Netflix de ficção científica. A história é complexa e se passa em diferentes épocas e mundos.
É difícil precisar quando as coisas estão de fato ocorrendo porque os personagens ficam indo e vindo no tempo, e suas atitudes influenciam como aquele mundo vai se comportar. Tudo indica, no começo, que as coisas ocorrem em uma linha do tempo que é constantemente alterada pelas viagens no tempo e mudanças provocadas pelos personagens.
As coisas começam a ficar estranhas quando, em 2019, crianças desaparecem igual aconteceu nos anos de 1986 e 1953. Descobre-se que existe um buraco de minhoca em uma caverna da cidade, que permite viagens no tempo, sempre de 33 em 33 anos (para frente ou para trás). Além disso, descobre-se que quatro grandes famílias da cidade são afetadas por essas viagens no tempo.
Podemos dizer que os personagens principais são Jonas Kahnwald (Louis Hofmann) e Martha Nielsen (Lisa Vicari). Eles são dois adolescentes que moram em uma cidade alemã chamada Winden.
Jonas começa a explorar essa anomalia temporal após seu pai se suicidar e deixar uma carta misteriosa. Ele começa a viajar no tempo e interagir com sua versão mais velha que também está fazendo viagens no tempo e outras versões de outros moradores que também estão viajando. As coisas avançam até ele descobrir que irá se tornar uma pessoa chamada Adam (Dietrich Hollinderbäumer), que está determinado a destruir “a origem” dessa anomalia temporal.
Mais para frente, descobriremos que existe um mundo paralelo ao mundo que conhecemos. Nesse mundo, as coisas são um pouco diferentes, sendo o mais importante a não existência de Jonas. Quem protagoniza esse segundo mundo é Martha. Nesse segundo mundo, além de viajar no tempo, eles também conseguem viajar no espaço (entre os dois mundos). Devido a uma série de decisões, Jonas do Mundo 1 irá se juntar à Martha do Mundo 2 e ela irá engravidar.
Adam acredita que esse bebê é “a origem” da anomalia (e fará de tudo para destruí-lo). Já Martha, por amor ao filho, não quer perdê-lo. Por isso, ela começa a lutar para manter a anomalia (a única forma de garantir que a criança viva), tornando-se assim a Eva (Barbara Nüsse). Descobrimos, assim, que toda a confusão temporal é culpa de Adam e Eva que lutam repetidamente para controlar o looping temporal: ele acabar, e ela manter. Não só eles, mas vários moradores, nas suas mais variadas versões da realidade e tempo, ficam tentando mudar as coisas ao mesmo tempo que acabam fazendo com que o ciclo recomece infinitamente.
A solução para essa até então aporia (situação insolúvel, sem saída) foi dada por Claudia Tiedemann (Lisa Kreuzer). Ela descobre que esses dois mundos que acompanhamos foram criados devido a uma distorção espaço-temporal provocada pelo cientista H.G. Tannhaus (Christian Steyer) no mundo original, na tentativa de evitar a morte de seu filho, nora e neta.
Para resolver esse looping temporal, precisou que Adam e Eva / Jonas e Martha entendessem que eles não deveriam ter existido, que eles não pertencem ao mundo original, sendo uma espécie de “aberração”. Então, decidem se juntar para voltar no tempo uma última vez, só que no mundo original, para impedirem o acidente e assim acabarem com “a origem” de fato de todo esse problema.
Reflexão sobre Dark: Esclarecendo os Termos
Antes de começar a reflexão propriamente dita sobre Dark, acho importante esclarecer e/ou apresentar alguns termos filosóficos que serão importantes para o entendimento desse artigo.
Determinismo e Livre-Arbítrio
Determinismo e Livre-arbítrio são dois termos filosóficos complexos. Existem muitas interpretações e limites de entendimento para eles. Por isso, deixarei claro aqui o que quero dizer com as palavras determinismo e livre-arbítrio. Chamo a atenção que irei me atentar a questão moral desses conceitos, no que tange a ação humana.
Determinismo seria a cresça de que todas as nossas ações já estão determinadas. Ou seja, tudo o que eu faço já foi estipulado antes mesmo de eu me decidir. São muitos os motivos que poderiam justificar isso: um deus criador que já nos criou sabendo como as coisas aconteceriam; a natureza que possui uma ordem, da qual nós apenas cumprimos um papel; o destino como uma força que nos leva a agir de um modo específico. Em todos esses casos, nós achamos que temos controle sobre nossas ações, como se tivéssemos pensado livremente em agir desse modo, só que não é assim.
Livre-arbítrio seria a crença de que todas as nossas ações são decididas e deliberadas por nós mesmos. Ou seja, tudo o que eu faço é estipulado por mim mesmo, sendo uma decisão unicamente minha. Nesse caso, a justificativa seria o própria constatação das coisas, porque aquilo que nós observamos do mundo sugere que nossas ações são livres; tudo o que fazemos, fazemos de livre e espontânea vontade (mesmo sendo coagidos, ainda teríamos “escolhido” aceitar a coação).
A Relação Causa e Efeito (Causalidade)
Outro ponto fundamental para entender a série e essa reflexão é entender a relação causa e efeito (causalidade). Basicamente, podemos dizer que tudo o que ocorre na natureza (entendida como realidade) é efeito (ou seja, resultado) de uma causa (ou seja, de uma ação). A física trabalha exatamente com esse princípio.
Acontece que nossas ações também, a princípio, se subordinam à lei da causalidade. Toda as atitudes que tomamos são estimuladas por algo que nos afetou. E nossas ações irão afetar outras pessoas, que, por sua fez, reagirão de um jeito que afetará outras pessoas, e por aí vai… Isso é muito fácil de identificar em uma família:
Por exemplo, o filho vai mal na prova da escola; aí ele conta para a mãe que já estava irritada porque o pneu do carro furou. Ela briga com ele e diz que ele passa o dia todo no celular, e que é para ele contar para o pai. O pai chega cansado e estressado por causa da cobrança no trabalho. O filho conta da nota e o pai reclama que tá pagando caro uma escola e o filho não dá valor. O pai briga com a mãe que deveria estar cuidando da educação do filho. A mãe reclama que não dá conta de fazer tudo em casa sozinha e precisa de mais colaboração do pai. A criança vê a briga e se sente culpada. Ele decide estudar mais para a próxima prova e evitar aquela situação, mas ele fica tão nervoso de fracassar novamente que acaba indo mal na prova. E isso vai desencadear novos problemas em casa…
Percebam que existe uma “lógica” nas ações e reações das pessoas. Nesse exemplo que dei, acabou a história entrando em ciclo, mas eu poderia dizer que o aluno estudou mais, fez uma prova melhor e contou para a mãe, que sentiu orgulho do filho. E contou para o pai, que ficou tão satisfeito que resolveu sair para comemorar com a família. Mas no caminho entre a casa e o shopping, eles sofreram um acidente de carro… Percebam que são infinitas as possibilidades desse exemplo. Mas não se perde a noção de que uma coisa desencadeia a outra.
Reflexão sobre Dark: Entendendo o (não) Determinismo da Série
No começo, a trama de Dark, mesmo sendo intrincada, dava a entender que as pessoas tinham livre-arbítrio. Elas faziam as suas escolhas, e as suas escolhas geravam consequências. A única diferença era que as consequências não afetavam apenas o futuro, mas também o passado. Sendo assim, algo que decido agora poderia mudar o meu passado, que consequentemente mudaria o meu presente, já gerando um outro futuro.
É confuso? É! Mas não é confuso entender que cada ação gerou uma reação. Também vai ficando claro que Jonas quer entender o que tá acontecendo, e depois que ele quer acabar com toda essa confusão. E para fazer isso, ele fica constantemente viajando no tempo para mudar algumas “peças do tabuleiro” para ver se resolve o problema e acha a solução. Fica evidente, então, que Jonas age por conta própria.
O raciocínio começa a mudar quando descobre-se a existência do segundo mundo e da co-influência que um exerce no outro. Descobre-se que existe um looping que parecia infinito, em que as decisões tomadas para terminá-lo na verdade o causavam. É na tentativa de evitar o apocalipse, que o causava; é no assassinato de Eva que ela é criada… e assim acontece em diversas situações. Todas as tramas estavam interligadas de tal forma que fechavam o ciclo. Daí a famosa frase da série: o começo é fim e o fim é começo.
Agora, com essas “variáveis”, tudo indica que nunca houve uma ação livre. Todas as ações estavam determinadas de alguma forma. Muitas das vezes, era a própria pessoa que induzia o seu eu de outra época a agir de uma forma, que teria um resultado que se achava melhor, mas na verdade o resultado era o que criava o problema que fez com que a pessoa viajasse no tempo para achar o seu eu de outra época e pedir para ele agir… Um exemplo factual, na terceira temporada, foi Jonas e Martha 2 indo para a usina e ela se corta no rosto. Jonas identifica aquela cicatriz como sendo a mesma cicatriz da Martha 2 do futuro que o salvou para que ele mudasse as coisas. Então ele imagina que estava indo para uma cilada proposta por Eva, e “decide” fazer o contrário, só que o contrário era exatamente aquilo que tinha acontecido da outra vez e ele acaba repetindo o ciclo.
Reflexão sobre Dark: A “Solução” Espinosista
Uma das teorias mais interessante sobre Determinismo e Livre-Arbítrio é a de Baruch Espinosa. Espinosa acredita que tudo já está determinado, porque todo o mundo pertence a mesma natureza imanente. Sendo assim, tudo o que fazemos, fazemos porque somos determinados ao mesmo tempo em que estamos determinando as coisas. Seria uma espécie de ciclo das afecções: somos afetados pelas coisas ao mesmo tempo que às afetamos. E como tudo é a mesma substância, estamos afetando e sendo afetados por nós mesmos.
Por outro lado, Espinosa “argumentou que a liberdade humana pode ser alcançada através do conhecimento das causas que determinam nosso desejo e afeto. Ele definiu a servidão humana como o estado de escravidão do homem que está ciente de seus próprios desejos, mas ignorante das causas que o determinavam. Por outro lado, o homem livre ou virtuoso torna-se capaz, através da razão e do conhecimento, de ser genuinamente livre, mesmo quando está sendo ‘determinado’. Para o filósofo holandês, agir de acordo com nossa própria necessidade interna é uma liberdade genuína, enquanto ser movido por determinações exteriores é semelhante à escravidão” (Wikipédia).
E como isso tem relação com a série? Essa argumentação de Espinosa é muito semelhante ao começo do argumento da Claudia anciã. Ela explica para Adam (que depois explica para Eva) que eles estão fadados a repetirem infinitamente o ciclo porque ambos são originários de dois mundos que não deveriam existir. Eles nunca conseguiriam quebrar o ciclo do mundo deles porque o mundo deles é uma anomalia espaço-temporal causada por um aparato científico no mundo “original”.
Sendo assim, tudo o que Adam e Eva fizessem só iria garantir a continuidade dos ciclos de seus mundos. Isso, em certo sentido, foi o esclarecimento necessário para que ambos parassem de continuar agindo da mesma forma de novo e de novo e começassem a olha para a verdadeira causa. Podemos dizer que Adam e Eva / Jonas e Martha se libertaram quando entenderam que eram todos determinados pelas condições de criação dos seus próprios mundos.
A partir desse momento, eles juntam forças para solucionar esse nó (que é a ligação dos três mundos). Eles precisaram sair dos seus mundos determinados, do qual eles faziam parte como modos de ser da mesma substância. Ou seja, eles e o mundo deles eram a mesma coisa – um não existia sem o outro: tanto eles dependiam um do outro, como os mundos dependiam deles e eles dependiam dos seus mundos.
Ao irem para o mundo de origem impedir o acidente, eles decidem pela aniquilação do nó e, ao mesmo tempo, de seus mundos e deles mesmos. Eles sacrificaram quem são para parar de fazerem sofrer aqueles que eles amaram e que fizeram tudo o que fizeram porque não queriam que eles sofressem… Eles foram livres pela primeira e última vez.
Reflexão sobre Dark: Conclusão
No final dessa reflexão, percebemos que Dark é uma série intrigante, em que você fica perdido durante ela ao mesmo tempo em que entende tudo no final. Ela tem um fator replay muito grande, porque quem é fã vai querer rever para identificar todos os detalhes e perceber coisas que não foram percebidas antes por falta de informações que viriam no futuro. A reflexão filosófica da série também é muito boa porque nos faz pensar nas nossas ações, em como elas nos afetam e afetam o mundo, e o quanto é difícil separar aquilo que fui eu mesmo quem quis daquilo que queriam que eu fizesse.
E aí? Quais outros fatos curiosos Dark trouxe para você? Deixa nos comentários dessa reflexão sobre Dark! Gostou dessa reflexão sobre Dark? Compartilha com seus amigos fãs de Dark. Quer sugerir algum tema para o blog? Entra em contato comigo.
Até a próxima e tenham uma boa viagem!