Olá, marujos! Hoje, explicaremos o conceito de poder disciplinar na filosofia de Michel Foucault de um jeito descomplicado. Após breve apresentação do filósofo e sua obra, vamos definir o que é disciplina, mostrar a origem da sua aplicação na sociedade, suas características e seus instrumentos de aplicação. Usaremos linguagem simples e exemplos atuais para compreender esse assunto. Vamos lá!
Sobre o Filósofo e sua Obra
Michel Foucault nasceu em Poitiers, França, no dia 15 de outubro de 1926. Apesar da expectativa de seguir a carreira médica, por causa do seu pai e avôs, acabou escolhendo a filosofia e a psicologia. Em 1945, mudou-se para Paris, para cursar o nível superior. Após se formar, trabalhou como professor universitário em várias universidades pelo globo e também trabalhou como psicólogo patologista em hospitais psiquiátricos e presídios. Tornou-se um intelectual reconhecido mundialmente em 1966, com a publicação do livro As palavras e as coisas. Era uma ativista, sempre defendendo pautas consideradas de esquerda e progressistas (apesar de ser criticado por alguns membros desses vieses político). Morreu em Paris, França, no dia 25 de junho de 1984 por complicações decorrentes da AIDS (ele era homossexual e a doença ainda não tinha tratamento adequado).
Sua principal obra para compreender o poder disciplinar e o surgimento daquilo que chamou sociedade disciplinar é Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão.
Poder Disciplinar Descomplicado: Conceito e Origem
Foucault define disciplina como “métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade”.
Basicamente, o poder disciplinar pretende controlar os corpos dos indivíduos de tal forma que, em vez de prendê-los, limitando suas ações, esses corpos sejam adestrados para cumprirem funções e obedecerem às regras.
Sabe quando você adestra um cachorro para que ele te obedeça, não faça bagunça nem estrague nada em casa e mesmo assim, no final de todo esse processo, ele ainda te ama e te idolatra? Então, a ideia é a mesma aqui: o poder disciplinar quer que você seja adestrado de tal forma que faça tudo o que o sistema quer e, no final, você ainda ficar grato por isso!
Segundo o filósofo, o poder disciplinar começou no final do século 17 e início do século 18, da observação dos soldados. Esse corpo forte e obediente foi tido como um modelo a ser reproduzido por uma sociedade capitalista, a qual precisava de cidadãos aptos para os trabalhos fabris.
Foucault também vai dizer que os governos perceberam uma necessidade de mudança na forma como as punições aos criminosos deveriam ser feitas.
Antes, quando os crimes de sangue eram maioria (crimes ligados a assassinatos e agressões), as punições eram na forma de violência contra os corpos dos condenados (penas de morte ou castigos físicos). Porém, com o tempo, as pessoas começaram a criticar esse tipo de punição e até torcer pelo condenado.
Daí, como solução, as punições começaram a ser através de controles disciplinares dos presos. Era um controle de tempo e espaço, em que os condenados deveriam seguir regras e cumprir atividades. As punições se convertem em formas de ressocialização desse criminoso, tornando-o apto a voltar para a sociedade como um membro produtivo.
O poder disciplinar, em vez de prender o corpo, paralisar suas ações, o organiza de uma forma que seja útil para o disciplinador. Ele aperfeiçoa o disciplinado para que seja adequado para o serviço.
Ao mesmo tempo, diminui sua força política ao docilizá-lo, fazendo-o aceitar de bom grado tudo o que lhe é imposto sem reclamar muito, aceitando as coisas tal como são, como se essa forma a forma correta de ser tratado. O poder disciplinar torna o disciplinado subserviente, acrítico e apolítico.
Poder Disciplinar Descomplicado: Locais Privilegiados e Características
Os locais citados pelo filósofo onde podemos ver claramente o poder disciplinar sendo aplicado são: escolas, fábricas, forças militares, prisões e hospitais psiquiátricos. Nesses locais, é fácil ver a aplicação das características que definem o exercício do poder disciplinar.
Foucault defenderá que o poder disciplinar possui quatro características, que são os modos como ele controla, adestra e dociliza as pessoas:
1ª. Celular: é o controle dos espaços. A disciplina ocorre pela separação do grupo das pessoas que serão disciplinadas do resto das demais, para concentrá-las em um local específico, fechado, cuja entrada de estranhos é proibida e/ou limitadíssima. Esse espaço é constantemente vigiado, para que os indivíduos a serem disciplinados saibam que tem alguém os observando;
2ª. Orgânica: é o controle do tempo e das atividades. A disciplina ocorre pela exigência feita aos indivíduos de cumprirem tarefas específicas dentro de tempos específicos, punindo quem não consegue. A escolha do tempo disponível e da tarefa a ser feita nunca é do indivíduo disciplinado, mas da pessoa no controle – o disciplinador;
3ª. Genética: é a divisão do tempo em etapas e do grupo em séries. A disciplina ensina os disciplinados a cumprirem atividades segmentadas, onde temos uma sucessão de tarefas que precisam ser cumpridas e não podem ser acumuladas. Os indivíduos também são divididos em séries, evidenciando uma hierarquia interna, que vai aumentando a cobrança ao mesmo tempo que aumenta os benefícios para que os que estejam abaixo queiram subir de nível e os que estão acima fiquem satisfeitos com o aumento de trabalho;
4ª. Combinatória: é a exigência de adequação do indivíduo ao grupo. A disciplina não tolera alguém que não esteja no mesmo ritmo dos demais. Por isso, exige que todos cumpram suas funções juntos, na mesma cadência e pune quem não consegue acompanhar esse ritmo.
Exemplificando
Acho que, para uma melhor visualização desse poder disciplinar na prática, nada melhor que um exemplo fácil para todos entenderem: as escolas brasileiras.
As escolas são ambientes fechados, que ficam com os alunos durante umas cinco horas diárias. Nesse espaço, só entram alunos e funcionários. Tenta-se ao máximo cortar o contato com o mundo exterior (proibindo celulares, por exemplo) para alcançar a máxima concentração e dedicação dos alunos. Os alunos passam 90% do tempo em suas sala, um ambiente ainda mais fechado, que evita dispersão.
As escolas possuem câmeras nas salas e nos corredores. Possuem inspetores e porteiros. Tudo para garantir que ninguém saia ou entre nos ambientes sem autorização e nem faça nada além do que é permitido.
O horário da escola é todo cronometrado: hora para entrar e sair, hora de cada aula – sendo o cronograma definido já no começo do ano e mantido até o final, hora exata para o recreio, época certa para as férias.
A escola é dividida em séries, em que os alunos são promovidos (ou não) uma vez ao ano. Existem ritos de passagem e de conclusão que estimulam os alunos a subirem esses níveis. As cobranças aumentam a cada nível.
Existem provas e avaliações que testam o aluno para saber se ele está conseguindo acompanhar o seu grupo. Se não consegue, ele é punido com a reprovação.
Poder Disciplinar Descomplicado: A Norma e Sua Aplicação
Foucault dirá que o poder disciplinar se utiliza da norma para alcançar seu objetivo. Enquanto que a lei diz o que é permitido e o que é proibido, a norma cria um critério para avaliar aqueles que estão aptos ou não para o que é exigido. A norma classifica as pessoas entre aquelas que estão mais próximas ou mais distantes do que é esperado delas.
A aplicação das normas ocorre através de três instrumentos:
Olhar Hierárquico – É a existência constante de alguma autoridade observando o que os disciplinados estão ou não fazendo. Esse olhar pode ser direto (alguém de fato vigiando) ou indireto (uma câmera de vigilância). O importante é que os submetidos saibam que alguém os observa.
Sanção Normalizadora – Seriam as punições propriamente ditas àqueles que não cumprem suas tarefas ou não atingem seus objetivos. As sanções não visam o castigo em si, mas formas de “ajudar” o disciplinado a corrigir seu desvio e conseguir se adequar ao grupo.
Exame – São as técnicas utilizadas para medir e avaliar se os disciplinados estão conseguindo cumprir as exigências. Pelo exame, o disciplinador consegue separar os capacitados dos incapacitados, entre aqueles que estão aptos a seguirem para os próximos níveis e quem precisa de mais disciplina.
Poder Disciplinar Descomplicado: Exemplo Clássico e Exemplo na Cultura Pop
O exemplo clássico dado por Foucault para ilustrar sua teoria do poder disciplinar é o Panóptico.
O panóptico seria uma estrutura física, um prédio, construído estrategicamente para abrigar prisioneiros e vigiá-los. As celas formariam um círculo, cujas entradas gradeadas dariam para o interior. No centro da estrutura, existiria uma torre de vigia, que daria vista para todas as celas. Quem está na torre, consegue olhar tudo. Mas quem está nas celas, não consegue enxergar quem está na torre. Dessa forma, os prisioneiros se sentem constantemente vigiados, mesmo que, em determinado momento, não tenha ninguém olhando para eles. Uma estrutura panóptica aparece no filme Guardiões da Galáxia – Vol. 1.
Outro exemplo de poder disciplinar muito bem executado é o da prisão na série Andor. Nessa prisão, os presos ficam descalços sobre uma estrutura que pode dar choque neles. Dessa forma, eles sabem que qualquer ato errado lhes causará dor. Além disso, eles precisam trabalhar em times para construir peças, tendo metas, competindo entre si e recebendo punições caso fracassem.
Poder Disciplinar Descomplicado: Conclusão
Como pode ser observado, o poder disciplinar continua a ser executado com maestria em nossa sociedade, formando aquilo que Foucault chamou de sociedade disciplinar. Vivemos em uma sociedade em que os poderosos disciplinam seus subordinados desde a infância até a vida adulta, tudo para garantir a “ordem”.
E aí? Gostou dessa explicação sobre o Poder Disciplinar de um jeito descomplicado? Compartilha! Quer um artigo descomplicado sobre outra teoria de Michel Foucault? Entra em contato comigo dizendo qual gostaria de ver aqui! Alguma parte ficou confusa ou gostaria de complementar a explicação? Comenta!
Até a próxima e tenham uma boa viagem!
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Referências
BERTOLINI, Jeferson. O Conceito de Disciplina em Michel Foucault: Percurso e Aplicabilidade em Notas Bibliográficas. In: Revista Missioneira. Santo Ângelo: Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões Instituto Missioneiro de Teologia, v. 21, n. 2, p. 86-98, jul./dez. 2019.
LAURO, Rafael. Foucault – Sociedade Disciplinar. In: Razão Inadequada. Acessado em 5 ago. 2024.
WIKIPÉDIA. Verbete Poder Disciplinar.
