Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre o filme O menino do pijama listrado. Esse é um belíssimo filme ambientado na Alemanha durante a segunda guerra mundial, em que acompanhamos uma família alemã cujo pai foi designado para cuidar de um campo de extermínio. Através dos olhos de alguns personagens, vemos a ingenuidade sendo perdida ao se lidar (ou não) com a realidade da guerra e do holocausto. Será sobre isso que refletiremos. Essa reflexão trará spoilers do final do filme, então fiquem avisados. Vamos lá!
Sobre O Menino do Pijama Listrado (com SPOILERS)
Em O Menino do Pijama Listrado, nós acompanhamos a história de Bruno (Asa Butterfield), um menino alemão de oito anos que precisa sair da sua casa em Berlim para ir morar com sua família em uma região afastada da Alemanha, porque seu pai foi designado como comandante de um campo de extermínio para judeus.
Bruno passa os dias entendiado porque é a única criança da casa. Ele também se considera um explorador e sempre tanta ir em lugares novos do terreno da casa, inclusive nas áreas proibidas pela sua mãe.
Certo dia, ele encontra uma janela no galpão de ferragens da casa e a utiliza para sair do terreno da residência e explorar o entorno. Ele chega até às cercas do campo de extermínio e faz amizade com Shmuel (Jack Scanlon), uma criança judia que se escondia lá naquele cantinho isolado do campo para não precisar fazer o trabalho pesado. Eles se tornam amigos e se veem constantemente.
Enquanto o tempo passa, Bruno vai aprendendo sobre a guerra, o ideal nazista e sobre os judeus. Ele começa a entrar em conflito interno porque não consegue ver em Shmuel o tal judeu vilão e mal que foi a ruína da Alemanha, mas também não quer decepcionar seu pai. Esse conflito vai estremecer a amizade de Bruno com Shmuel.
Para tentar se redimir, Bruno se oferece para ajudar Shmuel a encontrar seu pai, que “sumiu” depois de um dia de trabalho. Enquanto os dois buscavam o pai desaparecido, acabam sendo conduzidos para uma câmara de gás.
Os pais de Bruno perceberam o problema tarde demais…
Reflexão sobre O Menino do Pijama Listrado: Perdendo a Ingenuidade
Bruno e a Atitude Inocente
Nessa parte, eu preferi trabalhar com cenas, porque cada uma delas é muito bem construída, nos dando um “soco no estômago” quando percebemos uma atitude inocente de Bruno diante de algo tão sério.
Fazendeiros de pijamas – Todos nós trabalhamos com referências e assim também é com Bruno. Sua primeira interpretação do campo de extermínio era de que aquele lugar era uma fazenda de pessoas tristes, o que não fazia sentido para ele. Menos sentido ainda era o fato de que eles trabalhavam de pijama!
Oficial com pneus – Bruno pede para um soldado um pneu para fazer de balanço. O soldado faz uma piada se referindo à barriga de um oficial (pneu como gíria de gordura localizada). Bruno não entende e isso já nos mostra que ele é uma pessoa muito literal, que não entende eufemismos.
Prática de medicina – Quando Bruno rala o joelho, um judeu que trabalhava como faz-tudo na casa o socorre e faz um curativo. Bruno acha que era um ferimento sério, mas o judeu insiste que não é nada. Incomodado, Bruno pergunta se o judeu é médico para saber disso e o judeu responde dizendo que sim, que ele praticava medicina antes de ser levado para onde estava. Bruno não consegue entender porque alguém que era médico estava descascando batatas em sua cozinha e interpreta que o judeu não era bom médico, já que precisava praticar (em vez se simplesmente fazer, com autoridade). Vemos, nesse caso, a necessidade do ser humano de encontrar uma explicação racional, mesmo que fraca, para as coisas. No fundo, é o diretor do filme nos dizendo que não existe uma explicação racional para tudo aquilo…
O campo é um grande jogo – Bruno, por muito tempo, cismou com Shmuel que o campo era na verdade um grande jogo. Era óbvio: o número nos pijamas indicavam alguma coisa, alguma tarefa ou posição. Bruno fica irritado porque não podia jogar esse jogo. O filme nos prepara para a reviravolta final, momento em que ele acaba “jogando”. E nós? Quantas vezes reclamamos que não temos a mesma “sorte” de outra pessoa; não temos a mesma vida que o outro, como se tudo o que o outro vive parece perfeito e nossas vidas são uma porcaria? Será que nós estamos mesmos dispostos a mudar? Será que sabemos o que vamos enfrentar? Muitas vezes, só olhamos para o superficial e reclamamos. Mas se olhássemos para o profundo, veríamos que a vida de todas as pessoas não é tão boa quanto nos parece, que possuem tantos problemas quanto nós temos ou até pior. O problema é a nossa mania de achar que a “grama do vizinho sempre é mais verde que a nossa”.
Trocando livros de aventura por livros de história – Um tempo após a mudança, chega um professor tutor para conduzir os estudos de Gretel e Bruno. Herr Liszt (Jim Norton) diz para Bruno que já está na hora de abandonar as histórias de aventura (literatura) e começar a aprender a história “real” (que, na verdade, era a versão alemã dos “fatos”). Isso nada mais é do que uma crítica à hipocrisia do pensamento nazista, que inventou uma ficção, onde os judeus são vilões, para justificar suas atrocidades. E, como forma de manipular as pessoas, criava seus próprios mitos e histórias ao mesmo tempo em que proibia a literatura estrangeira, sob a acusação de que eram falsas ideias.
Os adultos mudam muito de profissão – Shmuel diz que seu pai era relojoeiro, mas agora trabalhava no campo consertando motos. Bruno lembra do faz-tudo Pavel (David Hayman), que era médico e virou cozinheiro. Bruno estranha porque as pessoas “gostam” tanto de mudar de profissão. Outro golpe do filme, porque nós sabemos que os judeus não tiveram escolha e estavam lá a contragosto. Isso me lembra quantas pessoas são obrigadas diariamente a abandonarem suas profissões, suas vocações para trabalhar onde não querem e como não gostam. Porque não lhe pagavam direito, porque não tinha oferta de vagas, porque não conseguiu se formar… De certa forma, muitos em nossa sociedade ainda sofrem ao serem obrigados pelas circunstâncias a trabalharem a aceitarem o resto, e acabam sendo profissionais tristes e desiludidos, alienados do seu trabalho (como disse Marx).
Cadê a diversão que eu vi no comercial? – Quando Bruno entra no campo de concentração, ele começa a sentir que algo estava estranho. O filme se encaminha para o seu ápice, cenas tensas em que vamos sofrendo junto com Bruno, que tenta desesperadamente entender porque aquilo que ele está vendo não tem nada a ver com aquilo que ele viu no vídeo promocional dos nazistas. Bruno não encontra os jogos, não encontra o local de reunião festivo. Só encontra um bando de pessoas apinhadas em um celeiro. Quando percebemos que Bruno vai para a câmara de gás, Bruno percebe que tudo estava errado. Nós sofremos, ele enxerga a realidade. A inocência acaba, ele morre.
Elsa e a Loucura do Segregação
Elsa (Vera Farmiga), mãe do Bruno, não gostou da promoção do marido. Ela sabia que estava indo para uma prisão de judeus. Isso não era lugar para ela e seus filhos.
Só que os campos de extermínio não eram só prisões. Elsa estava sendo enganada tanto quanto os demais alemães. Quando ela descobre que além do trabalho forçado, os judeus também eram mortos e queimados, ela desmorona.
Existia uma ingenuidade em muitos alemães de que a guerra que seu país travava era justa. Que eles estavam apenas se reerguendo. Que realmente os judeus eram os culpados pelo fracasso alemão. Até aí, Ok. Dava para eles conseguirem deitar a cabeça no travesseiro e se convencerem de que está tudo bem. Mas a verdade nunca é tão simples quanto nos fazem parecer ser.
Yuval Harari, no seu livro Sapiens – Uma Breve História da Humanidade, mostra que grandes sociedades só foram possíveis devido às histórias e mitos criados, que conseguiam convencer todos a aceitar um aspecto não biológico como normal e aceitável. O autor acrescenta que uma das formas mais fáceis de fazer uma segregação entre pessoas é dizer que o grupo segregado é impuro, contagioso, porque nosso instinto de autoproteção naturalmente repele algo que possa nos contaminar e matar.
Essa atitude de repulsa estava em Elsa quando ela chegou na nova casa. Ela se assustou quando viu um judeu em sua cozinha. Só que a convivência com aquele “ser”, mostrou que ele era normal. Mesmo assim, eles ainda são vilões. Então, Ok. Mas quando ela descobre que seu país matava e queimava esses “vilões” sem eles terem feito nenhuma vilania, ela desaba. A história em que ela acreditava não se sustenta mais e tudo aquilo que ela tinha se obrigado a acreditar ruiu.
O comportamento de Elsa começa a beirar a loucura. Ela está errada? Não! Toda essa guerra, toda essa discriminação, todas essas histórias são loucuras! Insanidades que alguém criou e muitos outros acreditaram. E muitos morreram por causa disso. Sabe o que é pior? A cada instante surgem novas histórias tão loucas como essas, e elas continuam ganhando adeptos. E nem precisamos ir tão longe… É só lembrar das crianças abandonadas no orfanato, dos velhos nos asilos, dos condenados nas prisões e dos mendigos nas ruas. Tudo isso é uma história que ouvimos e que nos convenceu de que isso é normal, aceitável ou minimamente tolerável. “Como que as pessoas não percebem?”, você pode se perguntar. Provavelmente já “piramos” a tal ponto que tudo se tornou normal.
Gretel e a Ideologização
Gretel (Amber Beattie), irmã mais velha do Bruno, representa os jovens alemães que foram doutrinados pela ideologia nazista.
Gretel chega na casa como uma criança, mas logo quer se comportar como uma jovem, se “engraçando” para o tenente Kotler (Rupert Friend). As aulas de Herr Liszt também contribuíram para a sua mudança. Ela abandona as bonecas e começa a decorar seu quarto com pôsteres do nazismo.
Gretel agora era uma membro da Juventude Hitlerista. Ela muda suas roupas, seu cabelo, sua postura, seus gostos. É outra menina, é outra pessoa.
As formas de controle, dominação e doutrinação não foram muito diferentes das aplicadas aos adultos, que foram descritas acima (no trecho sobre Elsa). Contudo, as marcas em um adolescente são mais profundas e mais incisivas. Eles ainda estão aprendendo quem são, moldando seus caráteres e são mais facilmente influenciáveis. Se são convencidos de algo, dificilmente mudam de opinião e menos ainda param para pensar que podem estar errados ou que foram enganos.
A transformação de Gretel é um exemplo que mostra muito do potencial destrutivo de uma educação malconduzida, porque a escola é a organização social que mais passa tempo com o jovem nesses anos críticos. Por isso, aquilo que ela diz influencia muito um adolescente. Aí eu pergunto: vocês pais, acompanham aquilo que seus filhos aprendem e aquilo que a escola os ensina? Vocês professores, são conscientes que suas palavras possuem um peso enorme para seus alunos? Vocês alunos, conseguem ser críticos naquilo que lhes ensinam? Não estou falando que é para desconfiar da escola e dos professores, mas lembrar que esses também são agentes sociais importantes e não podem ser ignorados.
Reflexão sobre O Menino do Pijama Listrado: Conclusão
Ao final dessa reflexão sobre O Menino do Pijama Listrado, percebemos que esse não é um filme sobre o sofrimento dos judeus, mas um filme sobre o sofrimento dos alemães que acreditaram que aquilo que estavam fazendo com os judeus era certo. Ele nos serve de alerta porque a todo instante surge, de alguma forma, uma faísca que tenta repetir essas atrocidades. Se formos bem críticos, isso já está acontecendo de um jeito disfarçado nas políticas públicas ineficazes. Que possamos ficar vigilantes, para não deixarmos que isso se repita em larga escala (como foi na segunda guerra mundial), nem se mantenha em pequena escala (como vem acontecendo nos nossos bairros, cidades, estados…).
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