Teoria Crítica Descomplicada: Razão Crítica versus Razão Instrumental (Escola de Frankfurt)

Teoria Crítica Descomplicada: Razão Crítica versus Razão Instrumental (Escola de Frankfurt)

Olá, marujos! Hoje, explicarei o conceito chamado Teoria Crítica de uma forma descomplicada. Começarei apresentando brevemente a Escola de Frankfurt. Depois de apresentar os pressupostos filosóficos, explicarei a proposta deles da Teoria Crítica, dando ênfase nos conceitos de razão crítica e razão instrumental. Darei vários exemplos para simplificar o entendimento. Vamos lá!

Sobre a Escola de Frankfurt

A chamada Escola de Frankfurt na verdade é um grupo de pensadores que participavam do Instituto de Pesquisa Social, fundado em 1923 dentro da Universidade de Frankfurt (Alemanha) e que escreviam textos para a revista desse instituto chamada Revista de Pesquisa Social.

Esse grupo tem em comum pensadores marxistas que compreendiam a necessidade de rever a aplicabilidade do socialismo de Marx, buscando soluções para os problemas contemporâneos que respeitassem especialmente a visão econômica marxista. A Escola de Frankfurt foi tanto crítica do capitalismo europeu/americano quanto do socialismo implementado na União Soviética pois, para eles, nenhuma dessas duas visões econômico-sociais conseguiram alcançar a emancipação do ser humano.

Devido a ascensão do partido nazista, os membros do Instituto tiveram que migrar inicialmente para Genebra (Suíça) e, depois, Nova Iorque (EUA). Foi lá que o grupo ganhou fama. Durante esse período nos EUA, a revista mudou de nome para Estudos em Filosofia e Ciência Social.

Em 1951, após a guerra, o Instituto voltou para Frankfurt e existe até os dias de hoje.

Teoria Crítica Descomplicada: Pressupostos Filosóficos

A Teoria Crítica, como toda Escola de Frankfurt, tem como um dos seus pressupostos filosófico-sociológicos o marxismo, especialmente a crítica econômica que Marx fez da sociedade capitalista. Dessa forma, é correto entender que aqueles que usam a Teoria Crítica possuem uma visão marxista da sociedade, especialmente os conceitos de ideologia, estrutura e superestrutura, e divisão da sociedade em classes.

Uma novidade trazida pela Escola de Frankfurt em suas análises foi a psicanálise de Freud para entender o indivíduo que faz parte da sociedade.

Dessa forma, os teóricos críticos olham para a sociedade com um olhar marxista e para os seres humanos com um olhar freudiano. Unindo essas duas visões, eles tentam compreender a sociedade e dar soluções aos seus problemas, sempre de uma forma que garanta a autonomia da razão e o respeito ético.

Também podemos dizer que Kant foi importante para a Teoria Crítica porque tanto o nome quanto a proposta estão alinhados com aquilo que Kant chamou de crítica quando escreveu sua Crítica da Razão Pura. Kant queria examinar a razão a fundo, estabelecer sua validade e limites, sem apelar para nenhum dogmatismo ou conceito duvidoso.

Da mesma forma, a Teoria Crítica, que também pode ser chamada de Teoria Social Crítica, busca fazer esse estudo profundo da sociedade, nunca dogmatizando nenhum conceito porque acredita que cada sociedade é única e mutável ao longo do tempo. Logo, as análises precisam ser pontuais e contextualizadas para que não se criem estudos arquetípicos, que desconsideram as peculiaridades de cada povo e cada época.

Teoria Crítica Descomplicada: Uma Nova Proposta de Estudo Social

A Teoria Crítica (com letras maiúsculas) é o método de trabalho dos pensadores da Escola de Frankfurt.

Seus adeptos consideram que existia até então aquilo que eles chamaram de Teoria Tradicional, que se iniciou com a metodologia cartesiana e que moldou a forma de fazer Ciência (tanto natural quando social). Porém, esse método de pesquisa não seria adequado porque ele olha e analisa os dados de forma impessoal, ignorando totalmente a condição humana e cultural nas análises.

A Teoria Tradicional se ocuparia de estudar o fenômeno tal como ele se dá, a chamada experiência. Porém, os pensadores de Frankfurt acreditavam que era preciso um estudo que entendesse porque as coisas são daquele jeito e como as coisas poderiam ser mudadas para melhorar a vida das pessoas.

Eu gosto de pensar que a Teoria Crítica se propõe a ser mais humana enquanto aquilo que eles chamavam de Teoria Tradicional seria mais artificial, porque ignoraria a realidade social.

Exemplo do Economista

Vamos dar um exemplo prático:

Temos um problema na cidade de falta de verba. Um economista é chamado para cortar gastos. Ele faz um estudo e verifica que o maior gasto é com a educação em tempo integral que a cidade oferece aos alunos.

Um economista que seguiria a Teoria Tradicional concluiria que a solução é acabar com a educação integral porque ela não é obrigatória na educação infantil e ensino fundamental. Com isso, você poderia ter dois turnos em cada escola, reduzindo pela metade o número de escolas funcionando (cortando gastos com as estruturas, como luz e água, e gastos com funcionários).

Já um economista da Teoria Crítica iria buscar outra solução, vendo, por exemplo as outras fontes de despesa da cidade porque, para ele, a educação em tempo integral é fundamental para uma boa formação dos pequenos moradores daquela cidade e que serão o seu futuro. Além disso, cortar gastos dessa forma geraria um desemprego grande na cidade. Por fim, sem o ensino integral, alguns responsáveis (normalmente, as mães) teriam que abandonar seus empregos para ficar o contraturno com a criança, diminuindo a renda familiar média das casas e aumentando o problema de gênero (já que as mulheres ficam mais vulneráveis quando não podem se sustentar sozinhas).

Foco na Práxis

Perceba como é complexa uma pesquisa social e como é perigoso quando o pesquisador possui uma visão muito prática, extremamente racionalista da questão a ser analisada.

É por esse motivo que a Teoria Crítica destaca a práxis, a importância de aliar teoria à prática, olhando o problema social tanto pela parte teórica quanto prática, sempre reforçando o olhar para a situação social daquele momento, e nunca criando uma abstração social, como se uma sociedade fosse um modelo perfeito em que mexer qualquer coisa não gera problemas em outras áreas.

Teoria Crítica Descomplicada: Criticando a Razão Instrumental

Max Horkheimer, ao desenvolver a Teoria Crítica, percebeu que existia um problema no próprio conceito de razão.

A razão vinha sendo exaltada desde a modernidade, conforme a proposta iluminista. Porém, o objetivo iluminista de emancipação do ser humano, que deveria vir com a razão, com o esclarecimento, não se concretizou.

Tanto nos países capitalistas quanto socialistas, o que se via eram seres humanos “aprisionando” seres humanos, prendendo-os em regimes cruéis de trabalho ou ideologias, que os impediam de seres verdadeiramente livres.

Partindo dessa constatação, fez-se um estudo para entender onde as coisas deram errado…

Razão Objetiva e Razão Subjetiva

Horkheimer observa que existem duas razões ou dois tipos de razões que convivem com o ser humano.

A razão objetiva possui um caráter universal e se desenvolveria naquilo que ele chamou de razão crítica. É a razão emancipatória, que olha o todo, que busca a evolução do ser humano como sociedade.

A razão subjetiva possui um caráter particular, pragmático e utilitarista e se desenvolveu naquilo que ele chamou de razão instrumental. É a razão empregada para resolver um problema, solucionar uma questão. Essa razão é prática e busca trazer resultados imediatos.

Ambas as razões conviveram com os seres humanos de forma mais ou menos harmônica. Porém, com a modernidade, a razão instrumental acabou prevalecendo sobre a razão crítica, criando um desequilíbrio que refletiu nas sociedades contemporâneas tal como se apresentam hoje.

A Relação Homem-Natureza

Horkheimer verifica que surge um problema quando a modernidade coloca o ser humano como dominador da natureza, como alguém capaz de “extrair à força” todas as informações que a natureza possui. Esse “extrair” se dá através do apogeu e desenvolvimento das ciências naturais, que conseguem obter respostas precisas da natureza, permitindo “controlá-la”.

O ser humano deixa de especular sobre a natureza, de buscar compreendê-la passivamente através da observação e reflexão, para agora obrigá-la a dar respostas, como um juiz que exige respostas das testemunhas (metáfora do próprio Horkheimer).

A razão instrumental é o meio empregado para extrair as respostas pretendidas, é a razão da ciência. Infelizmente, essa razão que começou com o domínio do homem sobre a natureza, acabou se pervertendo e se tornou o domínio do homem sobre outros homens.

Na busca pelo progresso e desenvolvimento, a razão parou de refletir sobre ela mesma, sobre aquilo que ela estava fazendo com a natureza e com a humanidade, com as consequências a longo prazo e globais dos seus atos.

Na busca pela autoconservação, o ser humano acabou perdendo a noção de humanidade e se tornou egoísta. O conceito subjetivista da razão agora se aplica apenas ao indivíduo em si que a usa, não se importando com a conservação da natureza e dos demais seres humanos.

A Razão Ética

O pensador frankfurtiano percebe que a razão perdeu a sua ética porque não conduzia mais os seres humanos para uma vida feliz.

Dessa forma, ele defende que a razão precisa recuperar esses status e ela só conseguirá isso se a razão crítica voltar a se sobrepor à razão instrumental.

A razão instrumental não deve ser aniquilada porque ela é necessária para o ser humano agir no mundo, mas ela deve ser submetida à razão crítica que lhe dará as verdadeiras coordenadas para que sua ação seja positiva e construtiva e não negativa e destrutiva das sociedades e da humanidade como um todo.

Exemplo da Bomba Atômica

Um dos argumentos usados pelos defensores do uso da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki foi a relação custo x benefício do ato.

Para eles, matar uma “pequena fração” de japoneses com as bombas faria com que o Japão se rendesse automaticamente e encerraria com a guerra, preservando a vida de muito mais pessoas e economizando recursos.

Podemos dizer que realmente isso ocorreu, ou seja, funcionou. Os fins justificaram os meios. Mas será que realmente era preciso algo do tipo? Será que as consequências sociais das bombas para os japoneses e até para outros países, que agora corriam atrás de desenvolver seus próprios armamentos nucleares, valeu a pena?

Percebam que até hoje armas nucleares são um problema iminente na sociedade e anualmente milhares de vida e milhões de recursos são dispendidos para se evitar uma guerra atômica.

Aquilo que foi pensando inicialmente resolveu um problema imediato, mas causou um problema muito maior a longo prazo.

Essa é a consequência de pensar usando a razão instrumental e não a razão crítica.

Teoria Crítica Descomplicada: Teoria Crítica e Razão Crítica x Teoria Tradicional e Razão Instrumental

Para deixar bem claro, a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt se utiliza da Razão Crítica para tecer seus estudos e análises sociais, denunciando o emprego exagerado da Razão Instrumental na sociedade, consequência da valorização do pensamento defendido pela Teoria Tradicional.

No atual estado das coisas, não faz sentido pensar em um retrocesso ao período pré-moderno para se evitar o caminho que a sociedade tomou. Agora, nossa sociedade é herdeira dessa visão e a solução não está na negação, mas na readequação da razão instrumental e da teoria tradicional.

“O que é imprescindível é que o pensamento crítico, novamente possa ser realidade, somente assim a natureza humana e exterior também serão libertadas” (Horkheimer, Eclipse da Razão).

Teoria Crítica Descomplicada: Obras sobre o Tema

Teoria crítica I (Max Horkheimer)

Eclipse da razão (Max Horkheimer)

Dialética do Esclarecimento (Theodor Adorno e Max Horkheimer)

Teoria crítica (Fred Rush)

A Teoria Crítica (Marcos Nobre)

Teoria crítica e Escola de Frankfurt: uma análise interdisciplinar da sociedade (Viviane Rodrigues Darif Saldanhas de Almeida Ramos)

Curso livre de Teoria Crítica (Marcos Nobre)

Teoria Crítica Descomplicada: Conclusão

Espero que eu tenha conseguido esclarecer bem o que é a Teoria Crítica e seus conceitos derivados de Teoria Tradicional, Razão Instrumental e Razão Crítica. Até hoje, a teria crítica (com letra minúscula) é utilizada como uma metodologia de investigação social. Porém, com algumas mudanças de utilização dos pressupostos filosóficos originais.

E aí? Gostou dessa explicação descomplicada sobre o Teoria Crítica? Compartilha! Quer um artigo descomplicado específico para algum dos filósofos da Escola de Frankfurt? Entra em contato comigo dizendo qual gostaria de ver aqui! Alguma parte ficou confusa ou gostaria de complementar a explicação? Comenta!

Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Referências

ARANTES, Paulo Eduardo. BENJAMIN, HORKHEIMER, ADORNO, HABERMAS – Vida e Obra. São Paulo: Abril S.A. Cultural, 1983 (Coleção Os Pensadores).

TOMAZETTI, Elisete M. Teoria crítica: alguns apontamentos. Literatura e Autoritarismo, [S. l.], n. 8, 2006. DOI: 10.5902/1679849X73988. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/LA/article/view/73988. Acesso em: 5 fev. 2024.

WIKIPÉDIA. Verbetes Escola de Frankfurt, Instituto de Pesquisa Social, Razão Instrumental e Teoria Crítica.

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.