Reflexão sobre A Caça: Mentirinhas e Reputação Manchada

Reflexão sobre A Caça: Mentirinhas e Reputação Manchada

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre o filme A Caça. Nesse filme, vemos um professor de cidade pequena ser falsamente acusado por uma de suas alunas de abuso sexual. Agora, ele terá que lidar com sua imagem pública enquanto as coisas se esclarecem. Nessa reflexão, falarei sobre mentiras e suas consequências, e sobre a possibilidade de salvar uma reputação manchada. Atenção, pois teremos spoilers do filme! Vamos lá!

Sobre A Caça (COM Spoilers)

A Caça é um filme sueco-dinamarquês de 2012. Ele está disponível na Amazon Prime Video. O nome original do filme é Jagten, que significa caçada. A referência está no costume local de se caçar animais e no fato do personagem principal ser “caçado” pela população local desde a publicidade do suposto abuso sexual que ele cometeu.

Lucas (Mads Mikkelsen) é atualmente um professor auxiliar de creche de uma cidade pequena. Porém, essa é uma situação nova para ele já que ele era professor secundarista até a escola em que trabalhava fechar. Atualmente, Lucas mora sozinho porque se divorciou e ainda não conseguiu a guarda de seu filho adolescente.

Apesar de não ser o emprego de seus sonhos, Lucas faz um ótimo trabalho na creche. Ele está sempre de bom humor e brinca com todas as crianças, que gostam muito dele. Uma dessas crianças é Klara (Annika Wedderkopp), que possui um vínculo com seu professor fora da creche, pois os pais dela são amigos próximos de Lucas.

Klara é uma garotinha diferente. Ela é muito meiga e simpática, mas tem dificuldades em se localizar (não consegue decorar o caminho de casa) e de cruzar “obstáculos” (não consegue andar em lugares que possuem linhas desenhadas no chão). Além disso, ela costuma escutar seus pais discutindo em casa, e vê e ouve pornografias que seu irmão lhe mostra de brincadeira (ou, ao menos, não faz questão de esconder). Sentimos que ela está deslocada naquela família.

Certo dia, na creche, Klara faz um coração de artesanato para Lucas e lhe dá um selinho na boca quando o professor estava distraído. O professor, com todo o cuidado, explica que aquele beijo não foi certo e que também não poderia aceitar o presente. Porém, ela não aceita bem essa reprimenda.

No mesmo dia, após o horário da creche, Klara está muito triste e amuada (devido a “bronca” que recebeu de Lucas). Questionada por Grethe (Susse Wold), a professora titular, Klara diz que odeia Lucas e lhe conta uma mentira sobre ele lhe mostrar o pênis ereto, usando palavras muito próximas daquelas que ela ouviu da pornografia do irmão.

Grethe, então, no dia seguinte, chama um colega que parece ser um misto de orientador educacional e psicólogo. Em um primeiro momento, Klara nega o que disse, dizendo que havia mentido. Depois, através de perguntas afirmativas feitas pelo “profissional”, Klara é quase que induzida a reafirmar o que disse para Grethe e vai além. Dessa forma, fica confirmado o abuso por parte da escola.

Lucas, então, é afastado do trabalho. Os pais das outras crianças da creche começam a relatar que seus filhos agora têm sintomas de quem foi abusado sexualmente.

Lucas é preso, mas liberado por falta de provas e relatos contraditórios. As crianças começaram a contar uma mesma história, em que elas iam até o porão da casa de Lucas. Mas Lucas não tinha porão em sua casa!

Entretanto, Lucas já estava com fama de pedófilo. As lojas locais não queriam mais o receber. As pessoas não o respeitavam mais. Ele começou a sofrer ameaças.

Passado um ano do caso, encontramos Lucas e seu filho sendo bem recebidos em uma reunião de boa parte da sociedade. Era uma festa para comemorar a licença de caça do filho de Lucas. Parecia que tudo havia se resolvido. Mas estávamos enganados.

Em certo momento da festa, Lucas pega Klara no colo para atravessar um trecho do chão cheio de linhas que amedrontava a garota. Até aí, nada demais. Só que minutos depois, quando eles foram caçar, alguém atirou na direção de Lucas como se fosse um tiro de aviso.

O filme acaba com um Lucas no chão, assustado.

Reflexão sobre A Caça: Aviso Importante!

Antes de começar essa reflexão sobre A Caça, preciso deixar claro que não sou psicólogo infantil nem possuo algum tipo de formação dentro dessa área de trauma e abuso. Dessa forma, toda minha reflexão será de um leigo no assunto, baseando-me nas informações que o filme me deu. O filme me leva a interpretar que não houve abuso. Pelo menos, não por parte do professor Lucas. Logo, será por esse caminho que seguirei.

Se você que lê esse artigo tiver uma opinião diferente ou tiver algum conhecimento específico do assunto, fique à vontade para comentar.

Reflexão sobre A Caça: Toda “Mentirinha” é Perigosa

Quando a Mentira se Torna Verdade

Tirando o momento da mentira em si, todas as outras vezes que foi questionada, Klara diz que havia mentido, que ela só tinha contado uma mentirinha.

Para nós, adultos, dizer que foi abusado sexualmente por alguém não é mentirinha. Porém, para uma criança que não entende desse universo da sexualidade, que foi exposta a esse conteúdo de um jeito inapropriado, falar o que ela falou seria a mesma coisa que dizer que alguém pegou o brinquedinho dela.

Toda a descrição inicial dada por Klara se inspirou nas palavras que ela ouviu do irmão sobre pornografia. Se ela depois desenvolveu mais a história, muito se deveu ao fato de, quando questionada, as pessoas colocavam palavras em sua boca. Eram coisas do tipo “Ele fez isso e aquilo?” e não “O que ele fez?”. 

Pior do que contar uma mentira, é ser “pego na mentira”. E pior do que ser pego na mentira, é tentar contar a verdade e as pessoas não acreditarem em você. E foi isso que aconteceu com Klara.

Ela contou uma mentira porque ficou chateada com a reação (que era correta) de Lucas. Quando ela viu que a coisa escalou, ela tentou desconversar dizendo que não tinha falado nada. Porém, de tão pressionada que foi, acabou afirmando tudo o que queriam que ela afirmasse. No fim, quando ela viu o problema que causou, tentou várias vezes negar suas afirmações, dizendo que havia inventado tudo. Contudo, ninguém acreditava nela porque todos já estavam convencidos que de que Lucas era culpado, mesmo sem provas.

Como disse o nazista Joseph Goebbels: “Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade”. Nesse caso, a mentira só foi dita uma vez por Klara, mas os adultos fizeram com que ela se replicasse ao ponto de se tornar verdade.

Criança Mente!?

Outra questão interessante foi a reação da professora Grethe diante das declarações. Ela se convenceu de que tudo o que a menina disse da primeira vez era verdade e não aceitou quando a menina mudou de discurso. Segundo a professora, criança não mente. E isso, até onde sei, é mentira!

Talvez, se definirmos mentira como uma falsa alegação conscientemente dita com fins de enganar, crianças não mintam. Porém, dentro da imaginação fértil das crianças, com sua mentalidade ainda em desenvolvimento, fato que permite certa confusão entre realidade e imaginação, e sua formação moral ainda incompleta, a criança é capaz de dizer algo que não corresponda a nossa realidade objetiva sendo que, para ela, aquilo seja plausível e inofensivo. 

Quando uma criança brinca com bonecos e bonecas, ela está brincando com objetos inanimados. Mas isso não quer dizer que ela saiba disso ou que esse fato desassocie a realidade da fantasia como se uma coisa fosse uma coisa e outra coisa fosse outra coisa. Quando ela coloca voz nos brinquedos, ela está “mentindo”. Quando nós brincamos com as crianças e colocamos voz em brinquedos, estamos “mentindo” para elas. Por isso, é possível uma criança mentir sobre algo grave para nós, mas que para ela não passa de uma brincadeira. 

Não existe Mentirinha Inofensiva!

De qualquer forma, a reflexão que quero trazer aqui não é sobre as crianças, mas sobre nós jovens e adultos. Nós sabemos com certeza o que é uma mentira. E a questão que levanto é: não existe mentirinha inofensiva. Toda mentirinha é perigosa porque ela está distorcendo a realidade. Até mesmo aquelas mentiras sociais positivas, do tipo “você está melhorando” ou “você está mais magro mesmo”, que dizemos para agradar alguém. 

Não estou defendendo que a partir de agora temos que jogar as verdades na cara das pessoas doa o que doer, mas dizendo que essas mentirinhas podem impedir que alguém enxergue um problema ou deixe de agir para melhorar alguma coisa. Se a pessoa não está evoluindo no seu trabalho, tente dizer algo como “vejo que você está se esforçando muito, mas infelizmente ainda não melhor”. Se a pessoa não está mais magra, diga ao do tipo “fico feliz que você começou a sua dieta ou treinamento, mas infelizmente eu ainda não consigo notar a diferença”.

Para mim, pior é enganar a pessoa porque quem será prejudicado será ela. Porque se ela acha que está melhorando sem estar, não evoluirá. Se ela acha que está emagrecendo sem estar, ela não vai redefinir sua dieta ou programa de treinamento.

Devemos Aprender a Ouvir a Verdade

Do outro lado da história, nós também precisamos ser menos sensíveis a qualquer comentário negativo. É engraçado que todos nós admitamos que não somos perfeitos, mas odiamos quando alguém nos mostra isso!

Se você não quer receber uma opinião sincera, não peça a opinião! E se precisa ouvir a verdade, cogite pedir a opinião de um desconhecido ou de alguém que não tenha nada a perder se te falar a verdade. Temos que parar de achar que nosso mundo vai acabar só porque alguém nos mostrou que as coisas não estão dando tão certo quando planejávamos. Em boa parte do tempo, é isso o que acontece em nossas vidas!

Devemos aprender a nos frustrar de vez em quando e aceitar opiniões sinceras e verdadeiras daquelas pessoas que querem o nosso bem. Elas não querem nos humilhar, elas querem nos corrigir porque gostam de nós. Por isso, engula o choro e aceite a crítica! Tenho certeza que, depois que se ouve uma crítica construtiva ou uma opinião sincera e mudamos, nos sentiremos muito melhor com os resultados verdadeiramente positivos.

Reflexão sobre A Caça: Uma Reputação Manchada Dificilmente será Limpa Novamente

Warren Buffett uma vez disse: “São necessários 20 anos para construir uma reputação e apenas cinco minutos para destruí-la”. E ele está certo. E o filme nos mostra isso.

Lucas era uma pessoa muito bem resolvida na comunidade em que morava. Ele era até um “coitadinho” porque sua esposa o havia deixado, ele estava com dificuldades de ver o filho e estava em um emprego inferior a sua formação. Parecia que todos gostavam de Lucas e/ou tinham pena dele.

Porém, no primeiro sinal de problema, a maioria das pessoas se voltou contra ele. Aquela pessoa conhecida a décadas por todos, que até então era à prova de qualquer suspeita, se tornou um pária social. Tudo isso em 24h.

Mesmo depois que tudo se esclareceu, que nenhuma prova foi encontrada do abuso, Lucas ainda era o pedófilo que escapou da justiça. Passou-se um ano e quando tudo parecia bem, alguém deixou claro que ele estaria sempre sendo vigiado. Nunca mais sua vida seria como antes.

Vendo o filme, lembrei do caso Neymar de 2019. Na ocasião, o jogador foi acusado de estuprar uma modelo. Antes de qualquer investigação, ele estava sendo massacrado pelas pessoas na Internet, perdeu vários contratos publicitários e deixou de jogar pela seleção. Tudo só “se resolveu” quando a justiça arquivou o caso por falta de provas e incongruência nos relatos. Porém, o mal já tinha sido feito.

Como não acompanho futebol, não sei dizer se ela já recuperou toda a sua fama de antes e seus patrocínios, mas vi que já surgiram novas denúncias de estupro e acredito que sua vida nunca mais será a mesma. 

Outra situação que lembrei foi de ex-alunos presidiários dizendo que é muito difícil conseguirem empregos formais por terem ficha policial, mesmo que o emprego não tenha nenhuma relação com o crime. Fora, claro, o fato de defendermos a ressocialização e, por isso, após a pena a pessoa voltaria a ser um cidadão normal. Mas nesse caso, a reputação da pessoa está manchada e sua ficha criminal o impede de provar que é alguém de bem. Esse fato faz com que muitos voltem para o crime já que ninguém os aceita.

Duas lições podemos tirar do filme e desses relatos reais que trouxe: 

1. Devemos tomar muito cuidado com nossas ações. Infelizmente, as pessoas preferem nos julgar e nos condenar antes de qualquer prova. A declaração de que “somos inocentes até que se prove o contrário” só existe na justiça porque, no dia a dia, somos culpados se as pessoas nos querem ver culpados mesmo provando nossa inocência. Sendo assim, todo cuidado é pouco e devemos pensar muito em certas atitudes que sejam difíceis de se provarem ou que envolvam situações delicadas.

2. Devemos ter mais compaixão com o ser humano. Pessoas ruins existem, mas não podemos achar que são todas ou a maioria. Por mais que muitas vezes sintamos que a justiça não é feita como deveria, isso não nos dá o direito de “fazer justiça com as próprias mãos”. Devemos dar chance para as pessoas e tentar acreditar que elas podem mudar. Aqui, faço uma referência ao evangelho cristão que muitos acreditam: Jesus disse “atire a primeira pedra quem nunca pecou” e “devemos perdoar 70 x 7”. Claramente, o ensinamento que muitos receberam foi que Deus nos ama e perdoa nossas fraquezas. Sendo assim, porque nós não fazemos o mesmo? Por acaso somos melhores do que Deus?

Reflexão sobre A Caça: Conclusão

Nessa longa reflexão sobre A Caça, vimos que até as que parecem ser pequenas mentiras podem causar um enorme problema na vida dos outros sendo, por isso, necessário evitá-las, substituindo-as por discursos verdadeiros e acolhedores. Da mesma forma, precisamos ser menos sensíveis e aceitar críticas daqueles que sabemos que querem o nosso bem. Já a respeito do problema da reputação manchada, devemos sempre nos policiar para não cometermos nenhum deslize nessa sociedade que nos condena antes de nos ouvir. E, se virmos alguém que supostamente errou ou até mesmo errou e se arrependeu, devemos buscar acreditar no ser humano e na sua capacidade de mudança para não tornar a vida social praticamente impossível.

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Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.