Reflexão sobre The Bear: Pressão, Paixão e Atos de Serviço

Reflexão sobre The Bear: Pressão, Paixão e Atos de Serviço

Olá, marujos! Hoje, faremos uma reflexão sobre a série The Bear. Nela, acompanhamos uma cozinha caótica de um pequeno restaurante cujos integrantes querem dar o seu melhor, mas estão sempre se complicando e atrapalhando, seja lá dentro ou na vida pessoal. Na reflexão, falo sobre a ambiguidade que muitos vivem de trabalhar em uma profissão ou ambiente que é sua paixão, mas também é sua fonte de estresse. Também falo sobre a forma de amar conhecida como ato de serviço e sua relação com algumas profissões. Não teremos spoilers da série. Vamos lá!

Sobre a Série (SEM Spoilers)

The Bear ou O Urso é uma série americana da FX que no Brasil é distribuída no streaming Disney+. Ela estreou em 2022, já conta com três temporadas e não terminou ainda. Ela já ganhou vários prêmios, incluindo o Emmy e o Globo de Ouro nas categorias “série de comédia”, apesar de eu achar que ela é um drama com leves pitadas de comédia.

Carmen “Carmy” Berzatto (Jeremy Allen White) é um renomado chefe de cozinha que decide voltar para sua casa e trabalhar na lanchonete de sua família. Essa lanchonete era administrada pelo seu irmão mais velho, que recentemente se suicidou.

A lanchonete é uma loucura, com equipamentos e estrutura velhos e funcionários desorganizados (apesar de terem boa vontade). Além disso, ela só dá prejuízos e está a ponto de fechar as portas.

Carmy resolve assumir a chefia da cozinha e a administração da lanchonete e impor seu método de trabalho para seus novos funcionários. Porém, isso não será fácil já que eles não estão acostumados a trabalhar no ritmo das grandes cozinhas.

Para piorar ainda mais, a família Berzatto (composta pela mãe e três filhos) possui vários problemas não resolvidos que assombram cada integrante e dificulta a relação pessoal entre eles. Também temos primos, tios e amigos próximos dessa família que hora ajudam e hora atrapalham ainda mais as coisas.

O nome “Bear” (urso em inglês) foi um apelido que os Berzatto ganharam por causa da pronúncia americanizada do seu sobrenome italiano. Daí o nome da série.

Quer saber se Carmy conseguirá administrar a lanchonete e seus problemas familiares sem enlouquecer? Descubra vendo The Bear na Disney+.

Reflexão sobre The Bear: O Trabalho dos Sonhos não é Fácil

Existe uma famosa frase de efeito que diz “trabalhe naquilo que você gosta e nunca mais trabalhe”. Isso é uma mentira! Lamento dizer.

Todo trabalho é trabalho, quer você goste dele ou não. Dependendo do tipo ou local do seu emprego, pode ser um trabalho mais ou menos exigente; pode ser um trabalho mais ou menos feliz; pode ser um trabalho mais ou menos gratificante. Mas sempre será um trabalho.

A palavra trabalho vem do latim tripalium, que era o nome de um instrumento de tortura. Ou seja, trabalhar sempre será uma tortura. Até mesmo as religiões abraâmicas, que usam o livro do Gênesis, reconhecem isso ao afirmar que Deus deu o trabalho para o ser humano como uma punição por sua desobediência (“E para Adão Deus disse o seguinte: — Você fez o que a sua mulher disse e comeu a fruta da árvore que eu o proibi de comer. Por causa do que você fez, a terra será maldita. Você terá de trabalhar duramente a vida inteira a fim de que a terra produza alimento suficiente para você” Gênesis 3:17 NTLH).

O trabalho, aqui entendido como emprego, nunca será totalmente agradável porque ele vem com uma carga de obrigação. Você precisa fazer aquilo para ganhar o seu sustento e o sustento das pessoas que dependem de você (seja familiares e/ou funcionários).

Não precisamos nem devemos romantizar o trabalho. Fazemo-lo porque é necessário, não porque é agradável. Amo conversar sobre filosofia e estudar temas filosóficos, mas odeio acordar cedo para dar aulas às 7h30 da manhã para um bando de adolescentes desinteressados.

A série The Bear consegue mostrar muito bem isso. Todos que lá estão trabalhando gostam do que fazem, sentem prazer naquilo que produzem, na satisfação de um prato bem preparado, em um atendimento bem feito, na felicidade dos clientes ao comerem aquelas comidas. Mas nem por isso dá para dizer que a experiência que eles vivem na cozinha é prazerosa. A pressão lá é absurda.

Para conseguir proporcionar tudo aquilo que dá prazer para eles, eles vivem uma pressão enorme, brigando entre si e consigo mesmos, sempre achando que poderiam ter sido melhores mesmo sendo elogiados pelo que fizeram. Inclusive, esse é um problema dos bons profissionais: nunca aceitam um elogio porque acham que não foram bem o suficiente.

Se exigir sempre é saudável. Querer melhorar é algo bom e importante. Contudo, isso precisa vir de uma forma natural e gradual, apreciando os momentos de evolução e comemorando cada melhoria alcançada. Senão, a pressão vai ganhar da paixão e o trabalho trará mais problemas que alegrias.

A pressão que Carmy colocou sobre ele mesmo e sobre sua equipe quase levou tudo ao colapso. E é engraçado pensar que ele mesmo já havia sentido isso na pele no último emprego e chegou a desenvolver doenças psicológicas. Porém, em vez de tentar uma abordagem mais “humana” e tranquila com sua equipe, ele acabou recorrendo ao modo como ele aprendeu que uma boa cozinha deve ser.

Esse ciclo é muito comum em algumas empresas ou ramos de trabalho. Todos acreditam que a única forma do trabalho funcionar é sob pressão e estresse contínuo e não percebem que estão se matando por nada. 100% desses trabalhos poderiam ser feitos de forma mais calma, tranquila, humanizada, se fossem dadas as condições necessárias e se os clientes fossem menos chatos.

Reflexão sobre The Bear: Servir é um Ato de Amor

Existe um livro relativamente popular chamado As 5 linguagens do amor. Nesse livro, o autor explica que existem cinco formas de demonstrar amor e se sentir amado. Cada pessoa tem uma forma preferida de demonstrar amor e se sentir amado. É por isso que, às vezes, casais que dizem se amar não conseguem fazer o outro perceber isso: porque usam linguagens diferentes.

Em The Bear, é citada uma dessas linguagens que tem tudo a ver com o trabalho em uma cozinha: atos de serviço.

Amar através de atos de serviço é demonstrar amor através de gestos concretos de fazer algo pela ou para a pessoa. No exemplo da série, cozinhar para alguém é uma forma de demonstrar amor por uma pessoa.

O ato de cozinhar para alguém mostra a sua preocupação em aquela pessoa estar bem nutrida e ter uma experiência gustativa agradável. É proporcionar um momento de centralidade em uma reunião de amigos ou família porque muitas pessoas se reúnem em torno da mesa para comer e confraternizar. Como dito na série, a maioria das pessoas vivem ou comemoram seus principais momentos da vida em torno de refeições.

Eu lembro que, quando criança, todo domingo almoçava na minha vó e ela preparava (até onde lembro) sozinha o almoço para minha família e do meu tio. Todo natal e ano novo também passamos com uma ceia. Praticamente todas as pessoas comemoram aniversário com uma festa, um rodízio ou um churrasco. Na pior das hipóteses, tem pelo menos um bolinho para cantar parabéns. Em algumas culturas, depois do funeral, a família oferece uma refeição para os presentes.

Não estou dizendo que o único ato de serviço que existe é cozinhar. Não, qualquer forma de fazer algo por ou para alguém pode ser uma demonstração de amor se é essa a sua intenção.

Da mesma forma, nem todo mundo irá valorizar seu ato de serviço como demonstração de amor porque essa pessoa pode não enxerga isso como um ato de amor. Ela precisa, antes, entender para, depois, apreciar o gesto.

Quem ama através de atos de serviço sofre. Sofre porque a pessoa se doa 100% e muitas vezes não é reconhecida. No caso da cozinha, é muito comum alguém fazer um prato gostoso e quem come só dizer “ok”. Na alimentação, você só costuma perceber que estava comendo bem quando começa a comer mal. Ou seja, não se reconhece o esforço na hora, mas só depois, quando perde.

Um profissional que presta um serviço precisa amar fazer isso, se não será um problema para ele e para quem se utiliza daquele serviço. Pode até não ser a sua forma preferida de demonstrar amor, mas tem que querer fazer isso.

Do outro lado, quem recebe uma demonstração de amor por ato de serviço também precisa ser empático para valorizar o gesto da pessoa que o fez. Não é porque você não liga muito para aquilo ou não foi como você esperava que a pessoa não se entregou ao máximo para fazer o melhor possível.

Se os clientes reclamassem menos e vissem os profissionais que os servem como pessoas que têm sentimentos, trabalhar no serviço ao público seria menos estressante e mais gratificante. Não estou falando que todo profissional é perfeito e que não existam problemas na prestação de serviços, mas muitas vezes o cliente parece não entender que ele está lidando com um ser humano.

Servir nunca é fácil e parabéns se essa é sua forma principal de demonstrar amor. Que você possa encontrar cada vez mais pessoas que saibam reconhecer, apreciar e valorizar seu ato.

Reflexão sobre The Bear: Conclusão

Um alerta para quem vai ver a série pela primeira vez: gatilho para loucura e comilança. Você vai ficar zureta com tanto barulho e correria dentro da cozinha, ao ponto de querer tampar os ouvidos e se esconder. Você também vai ficar louco para cozinhar ou ir em um bom restaurante comer algo diferente e especial. No meio disso tudo, você também conseguirá apreciar os momentos íntimos de cada personagem e suas relações interpessoais. Vai entender que todos eles só querem dar o seu melhor e serem reconhecidos por isso. Dessa forma, fica a dica: aprenda a elogiar!

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Até a próxima e tenham uma boa viagem!

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Professor de filosofia desde 2014 e nerd desde sempre. Tem como objetivo pessoal mostrar às pessoas que filosofia é importante e não é uma coisa chata. Gosta de falar dos temas filosóficos de forma descontraída e atual, fazendo muitas referências ao universo nerd.